António Manuel Couto Viana

No Bazar

Mergulho-me na vida, na voz deste bazar, Com lojas, tendas, vendedores de rua: É um rio de rumor e cor, tentacular, Que flui, reflui e, de repente, estua. Afoga-me o fascínio da faiança, do jade, Dos electrônicos subtis, sofisticados, Dos adivinhos da felicidade Com óculos severos de letrados. Aqui, na margem de um afluente, Junto de velhos móveis, de ferragens, de moedas, De um deus irado, de outro sorridente, Ambos sujos de pó, nuns farrapos de sedas. De um disco fatigado de rock, da legenda Que eu não decifro, com provérbios chins, Senta-se atento à mão que, ávida, se estenda, homem dos tintins. (Viu ele um português, pertinaz e sem pressa, De olhar estranho, magro, a longa barba preta, Descobrir, entre o inútil, o valor de uma peça, Com ciência de sábio e arte de poeta ?) Além, fumega e aromatiza o gosto A tenda dos petiscos. Tentação! Como tudo apetece, quando exposto! Mas, comê-lo… Não sei se sim se não. Mais além, Hóng-Kông, no templo do Bazar, Um bom mercado ao mercador promete Se ele, submisso, lhe vem pôr no altar A tangerina, a flor, e lhe acende um pivete. Entro no Loc-Koc, "casa de tomar chá". No alvor das madrugadas, É uma gaiola imensa, durante o iam-chá Sorvido entre gorgeios e asas excitadas. Lá fora, o riquexó, hoje triciclo, rasa A multidão: persegue uma nesga de espaço, Levando a rapariga a caminho de casa, Com os sacos das compras no regaço. E, ao ritmo da rua e da emoção, Os meus olhos descobrem, deslumbrados, Navegando ao pulsar do coração, Um navio vermelho de caracteres doirados!


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