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Página atualizada em 18.09.1999
 
Davino Ribeiro de Sena
 
André Seffrin

CONSTRUTIVISMO LÍRICO

Poeta inventor, Davino Ribeiro de Sena alia muito bem ao construtivismo uma disponibilidade lírica. Já foram apontadas certas semelhanças suas com Augusto dos Anjos e João Cabral de Melo Neto, de quem adotou algum vocabulário e procedimento técnico. Pela seriedade de seu projeto e pelo seu temperamento, eu o aproximo ainda de Manuel Bandeira, Jorge de Lima, Joaquim Cardozo e Alberto da Cunha Melo. Como eles, Davino é um lírico e por vezes um elegíaco, atento sempre à arquitetura do poema, tendendo até a um certo hermetismo, à maneira dos três últimos. A poesia social, o memorialismo e o poema narrativo, no caso especial de Davino, complementam o universo mental de quem possivelmente não vê antinomia entre inspiração e construção.

Castelos de areia (Estação Liberdade, 1991), seu livro de estréia, foi detentor do primeiro lugar na 5ª Bienal Nestlé de Literatura. Publicou mais tarde Pescador de nuvens (Thesaurus, 1996), O jaguar no deserto (Bagaço, 1997) e Retrato com guitarra (Sette Letras, 1997), aos quais vêm agora juntar-se Ferro e vidro, fixando definitivamente seu nome entre os melhores poetas da nova geração.
Davino compõe Ferro e vidro em quatro partes: “Arquitetura do eu”, “História do casal”, “Arquitetura da história”, “História da arquitetura”. Apesar do aparente esquematismo, prevalece no livro o tom coloquial. O autor tem consciência da necessidade do aparato instrumental e domínio técnico sem se deixar seduzir pelo cerebralismo neoparnasiano que preside grande parte da poesia contemporânea. 

Ele familiarizou-se com a tradição para manejar seu conhecimento não como um simples verse-maker (na acepção de Mario Faustino), mas como um notável explorador de caminhos. Os ecos de Bandeira e João Cabral, muito presentes, não são apenas intencionais mas programáticos. Nesse sentido, ele não é um continuador ou, como muitos, um diluidor, pois procura fazer uma obra que amplie e redimensione suas modulações a cada momento. 

Embora de maneira episódica, o poeta novamente abre o álbum de família em busca do tempo perdido. Na lembrança da figura do pai ou na recordação de objetos e acidentes da infância, ele vai recompondo cenas como quem segue à procura do cisma, da ruptura. São poemas de circunstância, espécie de leitura do avesso, um baú de histórias que ele passa a trabalhar com o apoio de imagens recorrentes como areia, ferro e vidro. Na memória da infância, o espelho da velhice e da morte, o passado “refletido na transparência do vidro”. É nesse universo de reflexos e ressonâncias que se desenvolvem os principais núcleos temáticos de toda sua obra.

Nesta forma fixa que parece se adequar aos seus propósitos e que chama de fotoneto, segundo suas próprias palavras uma forma quase “laboratorial”, vezenquando vemos luzir como jóia um verso solitário, desprendido do concreto armado do poema ? vale citar como exemplos o poder sugestivo de “No travesseiro, alguns fios/ de cabelo ensinam a morrer”, e a lapidar lição de paisagem expressionista contida num verso como aquele “O medo infiltrou-se na tarde”, condensando toda atmosfera do poema. Às vezes, ao contrário, fala o poema inteiro, em vibração, espessura e ritmo ? “O brasão”, “O porco na folhagem”, “Paralelismo”, “Atavismo”, a delícia do “Sarau parnasiano”, “Arte românica” e, pela plasticidade,  “Restaurante catalão”, entre aqueles que merecem figurar em qualquer antologia da moderna poesia brasileira. Assinale-se ainda que, dispensando quase sempre o adjetivo ornamental, ele o insere como elemento de estrutura. Um entre os tantos recursos de poeta senhor de sua matéria. 

Quando afastado da dicção raciocinante e antilírica (João Cabral), o poeta se aproxima de uma face mais emotiva e elegíaca. É o melhor Davino, aquele que podemos identificar na mesma família espiritual dos já aludidos Jorge de Lima e Joaquim Cardozo, da qual descende também Alberto da Cunha Melo ? poetas artífices da palavra encantada. 

E em Davino Ribeiro de Sena a palavra se encanta e se ilumina diante do “espelho do passado”, diante da realidade mais crua e de seus reflexos que vibram em vidro, em ferro, em tudo. Feche a cortina sobre as horas, diz o poeta: “A eternidade apenas começa”.
 

André Seffrin
Rio, março de 1999.
 
 


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