O Deslumbramento da Leitura
Francisco José Soares Feitosa
(De Mons. Tabosa-CE, Advogado, Auditor, Escritor)
Francisco José Soares Feitosa, Seminário de Sobral,
1957 e umas três semanas de 1958, expulso que fui ante um
atestado de férias desabonador do vigário de minha terra,
Monsenhor Tabosa (padre Ignacio Américo Bezerra), à época
inimigo de minha mãe, depois grande amigo nosso que este
mundo dá voltas de todo tamanho. Tenho três padres em minha
vida. O primeiro, meu primo-tio, padre Leitão, de Nova
Russas, o credor maior, foi ele que patrocinou a minha ida para
Sobral, bem como me recebeu, depois da expulsão: casa, comida,
colégio e a bagunça que a gente fazia, eu e mais três
adolescentes, os "fie do padre". Uma amizade de não ter fim.
O segundo padre, Austregésilo, o reitor. Ele não aceitava
a minha indigência em roupas. Minha mãe, de muita pobreza,
continuou "pobre" até mesmo quando as coisas já não eram
tão ruins. Pegou as batinas do padre Leitão, remendou-as e
com elas compareci ao Seminário. Ora, o padre Leitão usava
as batinas até acabarem, esfiapando. Não sei como minha mãe
conseguiu remendá-las. Réééét, só a molambeira, em pleno
recreio. Padre Austregésilo escreveu para ela, que a situação
daquele aluno, eu, ímpar em toda a história do Seminário. Ela
me mostrava a carta: Veja meu filho, o meu sacrifício. Louvado
seja! Tirei de letra, sem nenhuma neura ad Vitam e ad
laborem. Pois bem, um dia, o recado de que o reitor, padre
Austregésilo, queria falar comigo. Escadarias, a sala dele, uma
mesa do lado, um enxoval completo. Ele disse: É seu! Um ex-seminarista,
Francisco Marialva Mont'Alverne, gente importante de Sobral,
tudo no capricho, o melhor do melhor. Batina
solene, casimira inglesa; batinas de brim do dia-a-dia, roupas
de baixo, sapatos, chapéu e barrete; num átimo, de "gato borralheiro"
a "prinspo"! Louvado seja, louvado foi, louvado será. (O
reitor fora pedir à família. Devo-lhes).
Ainda sob Austregésilo, o padre reitor: o escândalo dos
súbitos desenhos na porta dos sanitários, lado de dentro: triângulos
arrepiados (num tempo em que aqueles triângulos eram
arrepiados), trespassados de vara em riste, duas bolotas, também
arrepiadas, penduradas em cada vara.
Ah meu Deus! Quem foi? Claro que não foi ninguém!
- "Juntar todo mundo"-, gritou o prefeito Onei, bravíssimo -,
"direto para o salão nobre". O padre reitor, Austregésilo, muito
seguro de si:
- Quem foi?
Um mosquito seria ouvido a cem metros. Sem nenhuma
arrogância, 13 anos, expulsão garantida, eu disse:
- Fui eu, padre.
Disseram-me, muitos dedos em riste, que o padre chorou. Não o
choro-pranto, mas aquelas lágrimas grossas, duas apenas, que
nos caem na roupa, sem grudar; e saltam, ligeiras, lá longe, no
chão. (Sim, eu vi, o brilho súbito, a caminho). Ele bem que poderia
ter perguntado: Quem mais? Nao; não perguntou. Cúmplices?
Sim, com certeza. (Quem, dos que aqui estão, nestas
memórias?) Mais de 60 anos, eu lá me lembro quem! Lembro,
sim, que o reitor pegou do couro da cabra que o amamentara
e jogou-o, misericórdia - cor, cordis-, o coração inteiro,
por sobre a miséria. Ali mesmo perdi as mãos para qualquer
desenho.
O terceiro padre, Inácio, devo a ele a minha dispensa do
Seminário. O padre reitor, Austregésilo, muito se esforçou para
não levar adiante o atestado desabonador de Ignacio. Na casa
do sem jeito, me disse: A anotação aqui será de que você pediu
para sair. Darei o atestado de bons antecedentes para qualquer
outro seminário. Claro, mais uma vez, a misericórdia. Direto
para a casa do padre, de trem, Leitão. Ele disse: "Fique aqui".
Se eu gostava do seminário? Sim, muito. Primeiro, pelo
convívio, eu, filho único, órfão de pai, do mesmo dia em que
nasci, muito rigor da mãe que vivia assombrada com o popular
"Filho de viúva não dá para nada e, se filho único, pior". Um
ano apenas, 1957, não vivia pelos cantos; muito pelo contrário,
a nossa classe, o 1° Ano Ginasial, muita participação, recreios
também.
O deslumbramento dos livros, revistas e biblioteca. A
revista do Pato Donald? Não lembro de quem, nem se era
proibido, acho que sim. Um encanto! Também uma revista
da Colgate, mostrando como éramos antes da pasta de dentes.
(Não sabiam eles da nossa raspa do juazeiro?!) Mostrava
o homem das cavernas aos berros, de dor de dentes. Leitura
total do Tarzan, Júlio Verne, os dezoito volumes, por inteiro,
do Tesouro da Juventude. E mais e mais, o que tinha para ler,
lia. Era um bom aluno? O suficiente, sem disputas. Disputas?
Não se fazia outra coisa! Ainda hoje, alguns falam do 1 ° lugar,
de ponta a ponta; outros, do seu futebol, acho que falando e remexendo
com os pés, sem bola nenhuma. Assim é que é bom!
Falo das minhas leituras que, por igual, não deixam de ter sido
uma disputa.
Depois, disputa "de mesmo", os concursos: Banco do
Brasil e Fiscal do Consumo, sim, com distinção e louvor. Aposentado,
virei advogado. 76, dentro dos 77, trabalho de manhã,
de tarde e noite, com muita disposição. Está bom. Louvado
seja. Casado, cinco filhos, seis netas e um neto.
O Seminário de Sobral, este é o meu depoimento, foi da
maior valia para mim, em termos de vida e de trabalho. Um
convívio ótimo, pena tenha sido tão pouco. Nele, a minha alma
se compraz.
Em tempo:
O reitor, padre Austregésilo (Monsenhor Francisco Austregésilo de Mesquita
Filho), foi nomeado bispo de Afogados da Ingazeira, PE, passando a ser conhecido
como Dom Francisco.
Padre Francisco Austregésilo de Mesquita Filho, Dom Francisco.
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