Soares Feitosa, Tentativa de Retrato da alma do Poeta, Maura Barros de Carvalho, jun/1996

O Deslumbramento da Leitura

Francisco José Soares Feitosa

(De Mons. Tabosa-CE, Advogado, Auditor, Escritor)

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Francisco José Soares Feitosa, Seminário de Sobral, 1957 e umas três semanas de 1958, expulso que fui ante um atestado de férias desabonador do vigário de minha terra, Monsenhor Tabosa (padre Ignacio Américo Bezerra), à época inimigo de minha mãe, depois grande amigo nosso que este mundo dá voltas de todo tamanho. Tenho três padres em minha vida. O primeiro, meu primo-tio, padre Leitão, de Nova Russas, o credor maior, foi ele que patrocinou a minha ida para Sobral, bem como me recebeu, depois da expulsão: casa, comida, colégio e a bagunça que a gente fazia, eu e mais três adolescentes, os "fie do padre". Uma amizade de não ter fim.

O segundo padre, Austregésilo, o reitor. Ele não aceitava a minha indigência em roupas. Minha mãe, de muita pobreza, continuou "pobre" até mesmo quando as coisas já não eram tão ruins. Pegou as batinas do padre Leitão, remendou-as e com elas compareci ao Seminário. Ora, o padre Leitão usava as batinas até acabarem, esfiapando. Não sei como minha mãe conseguiu remendá-las. Réééét, só a molambeira, em pleno recreio. Padre Austregésilo escreveu para ela, que a situação daquele aluno, eu, ímpar em toda a história do Seminário. Ela me mostrava a carta: Veja meu filho, o meu sacrifício. Louvado seja! Tirei de letra, sem nenhuma neura ad Vitam e ad laborem. Pois bem, um dia, o recado de que o reitor, padre Austregésilo, queria falar comigo. Escadarias, a sala dele, uma mesa do lado, um enxoval completo. Ele disse: É seu! Um ex-seminarista, Francisco Marialva Mont'Alverne, gente importante de Sobral, tudo no capricho, o melhor do melhor. Batina solene, casimira inglesa; batinas de brim do dia-a-dia, roupas de baixo, sapatos, chapéu e barrete; num átimo, de "gato borralheiro" a "prinspo"! Louvado seja, louvado foi, louvado será. (O reitor fora pedir à família. Devo-lhes).

Ainda sob Austregésilo, o padre reitor: o escândalo dos súbitos desenhos na porta dos sanitários, lado de dentro: triângulos arrepiados (num tempo em que aqueles triângulos eram arrepiados), trespassados de vara em riste, duas bolotas, também arrepiadas, penduradas em cada vara.

Ah meu Deus! Quem foi? Claro que não foi ninguém! - "Juntar todo mundo"-, gritou o prefeito Onei, bravíssimo -, "direto para o salão nobre". O padre reitor, Austregésilo, muito seguro de si:

- Quem foi?

Um mosquito seria ouvido a cem metros. Sem nenhuma arrogância, 13 anos, expulsão garantida, eu disse:

- Fui eu, padre.

Disseram-me, muitos dedos em riste, que o padre chorou. Não o choro-pranto, mas aquelas lágrimas grossas, duas apenas, que nos caem na roupa, sem grudar; e saltam, ligeiras, lá longe, no chão. (Sim, eu vi, o brilho súbito, a caminho). Ele bem que poderia ter perguntado: Quem mais? Nao; não perguntou. Cúmplices? Sim, com certeza. (Quem, dos que aqui estão, nestas memórias?) Mais de 60 anos, eu lá me lembro quem! Lembro, sim, que o reitor pegou do couro da cabra que o amamentara e jogou-o, misericórdia - cor, cordis-, o coração inteiro, por sobre a miséria. Ali mesmo perdi as mãos para qualquer desenho.

O terceiro padre, Inácio, devo a ele a minha dispensa do Seminário. O padre reitor, Austregésilo, muito se esforçou para não levar adiante o atestado desabonador de Ignacio. Na casa do sem jeito, me disse: A anotação aqui será de que você pediu para sair. Darei o atestado de bons antecedentes para qualquer outro seminário. Claro, mais uma vez, a misericórdia. Direto para a casa do padre, de trem, Leitão. Ele disse: "Fique aqui".

Se eu gostava do seminário? Sim, muito. Primeiro, pelo convívio, eu, filho único, órfão de pai, do mesmo dia em que nasci, muito rigor da mãe que vivia assombrada com o popular "Filho de viúva não dá para nada e, se filho único, pior". Um ano apenas, 1957, não vivia pelos cantos; muito pelo contrário, a nossa classe, o 1° Ano Ginasial, muita participação, recreios também.

O deslumbramento dos livros, revistas e biblioteca. A revista do Pato Donald? Não lembro de quem, nem se era proibido, acho que sim. Um encanto! Também uma revista da Colgate, mostrando como éramos antes da pasta de dentes. (Não sabiam eles da nossa raspa do juazeiro?!) Mostrava o homem das cavernas aos berros, de dor de dentes. Leitura total do Tarzan, Júlio Verne, os dezoito volumes, por inteiro, do Tesouro da Juventude. E mais e mais, o que tinha para ler, lia. Era um bom aluno? O suficiente, sem disputas. Disputas? Não se fazia outra coisa! Ainda hoje, alguns falam do 1 ° lugar, de ponta a ponta; outros, do seu futebol, acho que falando e remexendo com os pés, sem bola nenhuma. Assim é que é bom! Falo das minhas leituras que, por igual, não deixam de ter sido uma disputa.

Depois, disputa "de mesmo", os concursos: Banco do Brasil e Fiscal do Consumo, sim, com distinção e louvor. Aposentado, virei advogado. 76, dentro dos 77, trabalho de manhã, de tarde e noite, com muita disposição. Está bom. Louvado seja. Casado, cinco filhos, seis netas e um neto.

O Seminário de Sobral, este é o meu depoimento, foi da maior valia para mim, em termos de vida e de trabalho. Um convívio ótimo, pena tenha sido tão pouco. Nele, a minha alma se compraz.


Cláudio Feldman

Em tempo:
O reitor, padre Austregésilo (Monsenhor Francisco Austregésilo de Mesquita Filho), foi nomeado bispo de Afogados da Ingazeira, PE, passando a ser conhecido como Dom Francisco.

Francisco Austragésilo M. Filho

Padre Francisco Austregésilo de Mesquita Filho, Dom Francisco.


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SB 16.01.2023