Eunice Arruda
O arado e o chão
Por Enock Sacramento
Partindo-se do pressuposto que a
literatura contemporânea é caracterizada pela pesquisa de novas
verdades e dos meios adequados para exprimi-las, pode-se dizer que
Eunice Arruda surge numa época marcada pela obsessão da procura e,
que, em “O Chão Batido” (1), revela, mais uma vez, a aceitação da
contingência da produção e consumo de poesia. Já aceitara ao
publicar “É tempo de noite” (2), no qual procurou fixar a sua
atitude perante a vida, deixando localizar uma ânsia de reformar o
mundo através da autenticidade e do amor.
A busca do novo, do inatingido ainda
acompanha os passos de Eunice. Por isso, acaba a sua primeira obra,
não se contentou com ela. O “fogo santo” queima-lhe a alma e ela
continua o ofício, na procura das verdades fundamentais, e ainda que
o objetivo lhe escape entre os dedos, prossegue a investigação,
fazendo dela - meio – o próprio fim (fazer da busca o ideal). Embora
tenha consciência da precariedade humana, ela sabe que a depuração
pode ser conseguida através do trabalho persistente e de vivências;
que a messe do chão lavrado é farta e boa:
No entanto saberemos um
dia buscar caminhos
exatos
que levam às fontes
Estas fontes são a realização como
pessoa, na área vital e como poetisa, no plano artístico. Eunice
Arruda está a caminho delas, pois tem inata em si a necessidade de
escrever, como uma condição “sine qua non” no seu existir, e
demonstra saber fazê-lo nos próprios e admiráveis versos de
confissão:
Quando escrevo
é a vida que
exercito
É no verso que EA vai encontrar o
veículo ideal do seu mundo de sensibilidade. Desprezando a retórica
que empolgou os poetas do século passado e voltou à baila na obra da
geração de 45, é no tom confessional e intimista que comunica a
natureza delicada de sua poesia, como em “contradição”:
Minha alma sorri
por pouco
chora por pouco
prática em que Henriqueta Lisboa é
mestre. Despresa a pontuação, que se torna desnecessária e, quiçá,
prejudicial à arquitetura dos seus poemas. A pesquisa formal a
conduziu inclusive à utilização de recursos poegoespaciais em
“Pedido”, em cujo desfecho EA desdobra a palavra eterno para
conseguir uma dupla carga emocional:
Seu jeito de me olhar
e
terno
Mas a despeito de se identificar com
os poetas técnicos e cerebrais, ela acrescenta a esta condição o
lirismo de sua personalidade feminina e realiza, o seu modo e no seu
plano, a soma de paixão e raciocínio, que a equação da “síntese dos
tempos”, na expressão de Fábio Lucas. A sua aventura poética, embora
pessoal, deixa transparecer uma intenção de se doar, que não chega,
entretanto, a alcançar as raias do social:
Os de
amanhã
Hão de
encontrar
Batido o chão e propício o teto
Em “O Chão Batido” a poesia brota de
uma forma contida, seca, à moda cabralina. Realiza-se, mais uma vez,
o MILAGRE que deslumbra Mário de Andrade: - Como pode a poesia
nascer de um chão mineral?!
1. Coleção Literária Contemporânea, Vol. 7
– Editor: Alexis Pomerantzeff – São Paulo – 1963.
2. Massao Ohno Editora – São Paulo – 1960.
Best-Seller - Santo André – SP
1963
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