Élio Alves Macedo

Rotina
            
 
Sai do trabalho, bastante sustenido.
Ia pelas ruas, quase andantino,
Meio sem destino.
Não ouvia uma só canção 
Ou mesmo um gemido, ré-mi-dó.

Não vi a clave de sol 
Apenas um dó bemol
Da mais nova versão musical,
Agora em espanhol. 

Também uma chuva fina, 
Nem tão grave nem tão aguda,
Caia por toda a rua, 
Nas calçadas e em toda esquina,
Até mesmo nos dobrados sustenidos.

Fiz uma breve pausa 
Olhei a rima, olhei a baixo
Olhei também para  
Buscando a possível causa
Do silêncio até na clave de

Fui semibreve, após todos estes anos 
Compondo meus planos,
Enquanto passavam pelas calçadas e esquinas 
Homens, mulheres, meninos e meninas,
Escravos de suas tolas rotinas. 

Senti medo, senti dó maior ainda 
Quando vi a verdade nua, 
E mesmo crua ela era linda...
Mas quando atravessou a rua 
Senti uma solidão infinda, 
Fiquei semitom, meu mundo foi ao solo

Entrei depressa num barzinho, 
Minhas cifras eram poucas 
Mas por elas haviam mulheres loucas,
Fiquei só, num canto e sem acompanhamento 
Não queria cânone de lamento
Pedi uma taça de vinho, 
Daquele mais barato, e 
Entonei de uma sol vez, 
Já me senti bem staccato
Cantei um chorinho 
E d´uma taça me fizeram três.
 
Agora já não sei o que faço
Porque nada sinto, nada vejo. 
Si mi derem um abraço ou mesmo um beijo, 
Nada falo, apenas solfejo
Já perdi o compasso
Restou-me o desejo. 

Segui neste rítmo e quase allegro 
Saltei um travessão
Entrei numa Fermata,
Uma droga-sol qualquer, 
Comprei um -médio 
Para me curar o mal-me-quer 
Mas me esqueci do diapasão

Continuo minha trilha sonora
Chego em casa a uma hora,
mi em contralto 
E de sobressalto, 
Talvez até acorde meu vizinho.
Mas eu não ligo a mínima 
Porque lá reina a harmonia total,
Confesso que um pouco obtusa
Ou tenho a cabeça com fusa.

Desafinei do início ao fim, 
A situação agora ficou mais grave,
Me deram a sentença, enfim, 
Sem ao menos um fundo musical
Me disse uma voz melodiosa e suave,
Seu aposento será hoje, o fundo do quintal. 

       Acordes, tenhas , caia em si,
       O sol já se levantou ,
       O está muito distante,
       ré anda atrás da pauta do dia,
       Fá está preso numa clave, é sua sina 
       Mi acompanha uma melodia
       É mais um dia de rotina.

 
                                                                  Campo Grande, MS, 26/03/97
 

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Página editada por  Alisson de Castro,  Jornal de Poesia,  25  de  Junho  de  1998