Edna Menezes
Entrevista a um Acadêmico da UFBA
Um garoto, 20 anos, estudante de
Letras na UFBA escreve-me dizendo, “preciso de informações a
respeito de Manoel de Barros, o que a senhora pode dizer-me?”
Respondi de átimo, leia o que escrevi em livros, revistas e na
internet. Vem a resposta “já li tudo a que tive acesso” . Então
penso, reflito, que dizer? Pergunto novamente:
Edna Menezes: Já lestes bem o que escrevi a respeito de poeta
de Manoel de Barros?
Acadêmico da UFBA: Sim, já li.
Edna Menezes: Quer falar de inutilidades?
Acadêmico da UFBA : Seria ótimo.
Edna Menezes: Ou prefere ficar olhando lesmas a gosmar pelas
paredes bolorentas?
Acadêmico da UFBA: O que me provoque reações incomuns.
Edna Menezes: Procuras emoções fortes... Então deixe um urubu
cuspir em seu chapéu.
Acadêmico da UFBA: Eu gostaria de mais alguns pontos de
vistas seu a respeito de Manoel. Coisas que você acha importante
sobre ele.
Edna Menezes: Já esta tendo desde o bom dia. Seja atento
garoto. Eu jamais fico conversando banalidades. Isso são coisas para
uma estatua de Rodin. Minha conversa é prenha de inutilidades assim
como a de um Bernardo, ou de um Pote-cru.
Acadêmico da UFBA: Sei, já percebi q tudo q falas tem a ver
com o incomum e com as coisas ínfimas de q trata Manoel. Isso é
muito gostoso de se ouvir.
Edna Menezes: Ora estou pronta para ser árvore.
Edna Menezes: E as moscas são meus entes. Hoje me sentei num
toco de madeira e fiquei comendo borboletas com os olhos. Elas são
saborosas de se ver. Meu avô já fazia isso e me ensinou. Afinal
somos descendentes de índios Guató
Acadêmico da UFBA: Que poema é esse??
Edna Menezes: Isso não é poema, estou escrevendo
(reescrevendo, inventando, criando, parafraseando, plagiando) agora,
garoto.
Acadêmico da UFBA: ah!
Edna Menezes: Eu sou o alter-ego de Manoel de Barros. Ou to
enganada. Ele é que é meu alter-ego. Sei lá. Que seja. Bom mesmo é
pegar peixe com a mão. E olhar os jacarés no metrô em São Paulo.
Eles andam como se estivessem em casa. Meu gorjeio é intransitivo
(isso MB disse a respeito dos pássaros). Mas o gorjeio do poeta é
transitivo, as palavras são necessárias.
Acadêmico da UFBA: Adorei mesmo. Me diz em q livro está
registrado isso. Se estiver.
Edna Menezes: Adorar, adoro a Deus, ele é perfeito, fez-me
ser para andar, mas bom mesmo é arrastar. É olhando de perto que se
vê o que é importante. Os desimportantes andam olhando pro alto. Eu
olho o chão, no rastejo matinal. Minha avó virou uma sucuri. Acho
que de tanto rastejar. Num sei se virarei sucuri, se bem que já
sinto grossa minhas escamas peleais. E tenho fome de homens. Não dê
créditos a isso. Afinal quem rabisca como sucuri se chama Edna
Menezes, que nada tem de poética. Bom mesmo é o jacaré velho. Nas
águas ele responde por Manoel de Barros. Eu nem perto chego, ele
olha muito abaixo. Consegue rastejar bem mais baixo que essa ameaça
de sucuri.
Se conheço dele?
Ah! se o moço. Sei do que escuto os
antigos contar. Mas, mesmo não sabendo nada eu sinto o cheiro do
NADA no ar. E sei que por ali ele passou. Antes dele passaram outros
brabos. Baudelaire, Mallarmé, Rimbaud. E na mesma época dele
rastejava por ai um tal de Rosa. Ôh! home bão. Guimarães Rosa.
Falava pelas avessas. Esse tal de Manoel de Barros também fala pelas
avessas. Só que NÃO VALE NÃO DAR CRÉDITO. E eu dou. Eu só junto
letras, eles é que laspeam verbos.
Edna Menezes: Todas estas palavras velem ouro, mas são
escritas sem pensar, só olhando pra tela e sabendo que do outro lado
tem alguém que gosta de ler essas coisas sem utilidades, que e
Platão jogou no lixo.
Edna Menezes: Isso sai naturalmente, não tem nada em livro,
só no livro interno EDNA MENEZES.
Acadêmico da UFBA: muito legal.
Edna Menezes: Não é muito legal.
Acadêmico da UFBA: kkk, por quê?
Edna Menezes: Legal se diz pro tênis do seu amigo, pra uma
marca nova de chicletes.
Acadêmico da UFBA: kkkk
Edna Menezes: Pra poesia se diz: Isso é fogo nas mãos (Como
Garcia Lorca).
Acadêmico da UFBA: Pois então isso é incêndio nas mãos.
Edna Menezes: Ótimo.
Acadêmico da UFBA: isso é enorme.
Edna Menezes: Bom aluno.
Acadêmico da UFBA: é acender o dia.
Edna Menezes: Ou então, nesse caso aqui, você rasteja no
fundo dos léxicos e encontra o lixo da palavra.
Acadêmico da UFBA: É fazer voz e fogo nossa voz, em nossa voz
Edna Menezes: Quer mais sobre o Manoel, não é?
Edna Menezes: Não é?
Acadêmico da UFBA: Sim, claro. Ele é infinito.
Edna Menezes: Ele costura pelo avesso das avessas.
E, assim o garoto se foi, creio q
confuso, mas com uma certeza, as palavras nascem antes do Verbo e
não é tarefa comum lapeá-las.
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