Eurícledes Formiga


Canto de Amor ao Mar

Sempre tua canção, clamor e apelo, Sabendo a sal e longes na memória, ao ver-te cavalgado pelos ventos nas escarpas da noite, em atropelo, aos chicotes de fogo dos relâmpagos, ou nas planícies de ouro das manhãs. Recomponho o perdido itinerário, respirando teu hálito — salsugem, nesse meu navegar irrevelado de minha origem marinheira... escuto vir da gávea oscilante da lembrança a voz evocativa de outras terras aonde me levaram teus caminhos! Não reclamo apagasses os meus passos nas areias soando como teclas em tuas longas e alvas mãos de espumas; nem choro ser degredo o ter ficado no alto dos alcantis a contemplar-te, já que salgas meus olhos embebidos na poesia verde-azul de tuas águas. Quantas vezes me deixo submergir em teu bojo de lendas e perigos e vou sonhar remotas abordagens no tombadilho das escunas mortas! Sinto-te gotejar pelo meu corpo, nas pálpebras, na pele, transpirando teu sangue-sal, banhando-me de ti nas enseadas das reminiscências. Vem de longe esse vínculo profundo de arco-íris e de algas que nos liga, tanta é esta sensação de desaguar-me em teu mundo abissal e confundir-me com teus peixes, sargaços e corais, ora a flutuar sobre ti como os santelmos, ora a esgrimir os espadins da chuva no convés de uma nau, como um pirata, sob o alarido e o aplauso dos trovões! Vejo-me assim, em honra de outros nautas, heróis dos oceanos sem bandeiras, marujos por amor às aventuras, antepassados imemoriais. Escuto-lhes a voz nas elegias aos sóis que em teus abismos se afogaram e às estrelas cadentes despencadas do colo azul da noite como pérolas! Para falar de amor à minha amada, ponho tua harmonia nos meus versos; eles recordam pequeninos búzios, com tua alma cantando em seus recessos! Não me é dado saber em quantos portos ancorei minha nave... em suas quilhas fulgem as tatuagens de saudades com as transparências do teu ser ignoto! Sei apenas que a música da vida nasce contigo e cresce e envolve o mundo e o coração-aquário do poeta!


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