Álvaro de Campos

Dobrada à morda do Porto

 
      Um dia, num restaurante, fora do espaço e do tempo,
      Serviram-me o amor como dobrada fria.
      Disse delicadamente ao missionário da cozinha
      Que a preferia quente,
      Que a dobrada (e era à moda do Porto) nunca se come fria.

      Impacientaram-se comigo.
      Nunca se pode ter razão, nem num restaurante.
      Não comi, não pedi outra coisa, paguei a conta,
      E vim passear para toda a rua.

      Quem sabe o que isto quer dizer?
      Eu não sei, e foi comigo ...

      (Sei muito bem que na infância de toda a gente houve um jardim,
      Particular ou público, ou do vizinho.
      Sei muito bem que brincarmos era o dono dele.
      E que a tristeza é de hoje).

      Sei isso muitas vezes,
      Mas, se eu pedi amor, porque é que me trouxeram
      Dobrada à moda do Porto fria?
      Não é prato que se possa comer frio,
      Mas trouxeram-mo frio.
      Não me queixei, mas estava frio,
      Nunca se pode comer frio, mas veio frio.

Remetente : Arcileia