Álvaro de Campos
 
Demogorgon
 
  Na rua cheia de sol vago há casas paradas e gente que anda. 
  Uma tristeza cheia de pavor esfria-me. 
  Pressinto um acontecimento do lado de lá das frontarias e dos movimentos. 

  Não, não, isso não! 
  Tudo menos saber o que é o Mistério! 
  Superfície do Universo, ó Pálpebras Descidas, 
  Não vos ergais nunca! 
  O olhar da Verdade Final não deve poder suportar-se! 

  Deixai-me viver sem saber nada, e morrer sem ir saber nada! 
  A razão de haver ser, a razão de haver seres, de haver tudo, 
  Deve trazer uma loucura maior que os espaços 
  Entre as almas e entre as estrelas. 

  Não, não, a verdade não!  Deixai-me estas casas e esta gente; 
  Assim mesmo, sem mais nada, estas casas e esta gente... 
  Que bafo horrível e frio me toca em olhos fechados? 
  Não os quero abrir de viver! ó Verdade, esquece-te de mim!

 
 
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