Álvaro de Campos
 
Nuvens
 
    No dia triste o meu coração mais triste que o dia...  
    Obrigações morais e civis? 
    Complexidade de deveres, de conseqüências?   
    Não, nada... 
    O dia triste, a pouca vontade para tudo...  
    Nada... 

    Outros viajam (também viajei), outros estão ao sol  
    (Também estive ao sol, ou supus que estive).   
    Todos têm razão, ou vida, ou ignorância simétrica,  
    Vaidade, alegria e sociabilidade, 
    E emigram para voltar, ou para não voltar,  
    Em navios que os transportam simplesmente.   
    Não sentem o que há de morte em toda a partida,  
    De mistério em toda a chegada, 
    De horrível em iodo o novo... 

    Não sentem: por isso são deputados e financeiros,  
    Dançam e são empregados no comércio, 
    Vão a todos os teatros e conhecem gente... 
    Não sentem: para que haveriam de sentir? 

    Gado vestido dos currais dos Deuses, 
    Deixá-lo passar engrinaldado para o sacrifício 
    Sob o sol, álacre, vivo, contente de sentir-se... 
    Deixai-o passar, mas ai, vou com ele sem grinalda 
    Para o mesmo destino! 
    Vou com ele sem o sol que sinto, sem a vida que tenho,  
    Vou com ele sem desconhecer... 

    No dia triste o meu coração mais triste que o dia...  
    No dia triste todos os dias... 
    No dia tão triste...

* * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * *