Álvaro de Campos
 
Na Véspera
 
   Na véspera de não partir nunca 
   Ao menos não há que arrumar malas 
   Nem que fazer planos em papel, 
   Com acompanhamento involuntário de esquecimentos,  
   Para o partir ainda livre do dia seguinte. 
   Não há que fazer nada 
   Na véspera de não partir nunca. 
   Grande sossego de já não haver sequer de que ter sossego!  
   Grande tranqüilidade a que nem sabe encolher ombros  
   Por isto tudo, ter pensado o tudo  
   É o ter chegado deliberadamente a nada. 
   Grande alegria de não ter precisão de ser alegre, 
   Como uma oportunidade virada do avesso. 
   Há quantas vezes vivo 
   A vida vegetativa do pensamento! 
   Todos os dias sine linea 
   Sossego, sim, sossego... 
   Grande tranqüilidade... 
   Que repouso, depois de tantas viagens, físicas e psíquicas! 
   Que prazer olhar para as malas fítando como para nada! 
   Dormita, alma, dormita! 
   Aproveita, dormita! 
   Dormita! 
   É pouco o tempo que tens!  Dormita! 
   É a véspera de não partir nunca! 
 
 
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