Gabriel de Paiva/Ag. O Globo |
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Reunião Freitas Filho publicou em Fio
Terra poemas escritos entre 1996 e
2000 | |
Com a morte de João Cabral de Melo Neto (1920-1999), a
poesia brasileira perdeu a última grande unanimidade neste
século. Muitos críticos acham até que, nos próximos anos,
ninguém será capaz de substituir João Cabral no posto de poeta
número 1 do país. A grande diversidade que caracteriza o atual
panorama poético, apostam esses especialistas, seria um sinal
negativo de que a poesia brasileira não conta com uma voz
maior, capaz de influenciar seus pares e ser por eles
respeitada. Estaríamos, dentro dessa visão pessimista, vivendo
um período de muito barulho por nada.
Os novos livros de Armando Freitas Filho, Fio Terra,
e Francisco Alvim, Elefante, mostram que há bastante
luz no fim do túnel da poesia brasileira contemporânea. Eles
pertencem à mesma geração (estão na faixa dos 60 anos) e são
seguidores de uma mesma tradição poética, o modernismo
brasileiro. O carioca Freitas Filho gosta de dizer que Manuel
Bandeira, Drummond e João Cabral formam a “Santíssima
Trindade” de sua poesia. Além de Drummond, o mineiro Alvim
também “conversa” com Oswald de Andrade e, de alguma forma,
com Dalton Trevisan.
Apesar dos pontos de contato, os dois poetas enveredaram
por caminhos diferentes, construindo obras originais. “Gosto
de ler Francisco Alvim não para tentar escrever como ele, mas
para ver a maneira, as coisas que ele faz e que eu nunca vou
poder fazer”, disse Freitas Filho a Heloisa Buarque de
Hollanda, no Jornal do Brasil. Os leitores de Fio
Terra e Elefante entenderão o que o poeta carioca quer
dizer.
O poema mais curto em língua portuguesa talvez seja
Amor/Humor, de Oswald de Andrade. Alvim escreve versos tão
sintéticos e precisos quanto esse. Por exemplo: Quer
ver?/Escuta. Ou em Psiu/volto já. Bem-humorado ou
irônico, o poeta mineiro é também muito coloquial. Usa
expressões ou termos corriqueiros para criar imagens poéticas.
“Futebol” é um bom exemplo da técnica. Consta de apenas um
verso: Tem bola em que ele não vai.
O coloquialismo de Francisco Alvim é marca da produção
poética de toda uma geração, surgida nos anos 70, chamada de
“poesia marginal”. Jovens, dos quais o mais famoso foi Chacal,
publicavam livros pequenos, com edições de 200 exemplares,
impressos de forma artesanal em mimeógrafo, e os vendiam em
lançamentos festivos, no Rio de Janeiro e em São Paulo. As
obras dos principais poetas dessa geração – e de outros, como
Alvim, Cacaso e Ana Cristina César, que tinham afinidades com
os poetas marginais – só chegaram a um público maior nos anos
80, numa coleção chamada Cantadas Literárias, da
editora Brasiliense. O volume Passatempo, uma antologia
com quase toda a produção de Alvim, está hoje fora de
catálogo, pedindo para ser reeditado.
Divulgacão |
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Profissão Alvim é diplomata na Holanda
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Diferentemente do colega de poesia, Armando Freitas Filho
nunca foi identificado com os membros da geração mimeógrafo.
Tão próximo de João Cabral quanto de Drummond, o carioca
sempre trabalhou num registro mais elaborado, difícil, com
imagens de alto impacto. Há mais de 20 anos, Freitas Filho
publica regularmente por uma grande editora, a Nova Fronteira
– o que também o diferencia da maioria dos poetas brasileiros.
Em Fio Terra, um diário poético escrito ao longo de
três meses, o poeta reflete sobre o próprio ofício: Doente
de mim desde que a escrita/juntou-se à vida, com as linhas/da
mão misturadas às do papel/sob o peso da batida do pulso
pegajoso. Rigoroso com seu trabalho, observa em “Caçar em
vão”: Às vezes escreve-se a cavalo./Arremetendo, com toda a
carga./Saltando obstáculos ou não./Atropelando tudo,
passando/por cima sem puxar o freio… Uma boa definição
para a obra tanto de Armando Freitas Filho quanto de Francisco
Alvim pode ser encontrada num verso do poeta carioca escrito
em homenagem aos poemas de João Cabral: (…) No fundo eram
apenas um, em várias vias e versões/descortinado, sem nenhum
excesso de céu.