Fernanda de Castro


Poema da Maternidade

Pode lá ser! Não quero, não consinto! Tudo em mim se revolta: a carne, o instinto, A minha mocidade, o meu amor, A minha vida em flor! É mentira! É mentira! Se o meu filho respira, Se o meu corpo consente, Covardemente, A minh'alma não quer! Eu não quero ser mãe! Basta-me ser mulher! Basta-me ser feliz! E o meu instinto diz: — "Acabou-se! Acabou-se! Agora renuncia: Começa a tua noite: acabou-se o teu dia! Tens vinte anos? Embora! A tua mocidade Perdeu chama e calor, perdeu a própria idade. Resigna-te. És mulher! Foi Deus que assim o quis. Já foste flor: agora é só raiz." — Não pode ser! É injusta a minha sorte! Não quero dar vida a quem me traz a morte! O meu destino há de ter outro brilho! Vida, quero viver! E morro, morro... Filho! Pode lá ser, Jesus! Eu não mereço tanto! Filho da minha dor, eu já não choro — canto! Filho que Deus me deu! Por quê, Senhor, Há só uma palavra: Amor, Amor, Amor?! "Dai-me outra voz que nunca tenha dito Coisas más, coisas vis... e que saiba a infinito... Dai-me outro coração, mais puro, mais profundo, Que o meu já se quebrou de encontro ao mundo... Dai-me outro olhar que nunca tenha olhado, Que não tenha presente nem passado... Dai-me outras mãos, que as minhas já tocaram A vida e a morte... o bem e o mal... e já pecaram... Filho, por que seria? Ao vires para mim Mudaste num jardim Os espinhos da minha carne triste... E como conseguiste Dar uma cor de sol às horas mais sombrias? Meu menino, dorme, dorme, E deixa-me cantar Para afastar A vida, um papão enorme... Meu menino, dorme, dorme... Vamos agora brincar... Que brinquedo, meu menino? O mar, o céu, esta rua? já te dei o meu destino, Posso bem dar-te a Lua. Toma um navio, um cavalo, Toma agora o mar sem fundo... Ainda achas pouco? Deixá-lo! Se quiseres dou-te o mundo! Mas por que não vens brincar? Por que preferes chorar? Jesus! Que tem o meu filho? Que vida estranha no brilho Do seu olhar? Uma vida inquieta e obscura Anda a queimar-lhe a frescura ... Ainda hoje, meu filho, não sorriste E o teu olhar é triste... Cheiras a noite, a luto, a azebre ... Senhor! O meu filho tem febre! O seu hálito queima, o seu olhar escalda... Ele que tinha um olhar de estrela ou de esmeralda E um perfume de flor, Agora tem na boca um amargo sabor E cheira a noite, a luto, a azebre... Senhor! O meu filho tem febre! Tirai-me dos olhos toda a luz! Livrai-me da blasfêmia... Deus! Jesus! Pois se o meu filho morre, se agoniza, Por que há flores no chão que ele não pisa? Se num coval o hei de pôr, de rastros, Por que estarão tão altos os astros? Senhor, eu sou culpada. . . Eu sei o que é o pecado Mas ele, meu Jesus, ainda não tem passado... Para mim, não há mal que não aceite, Mas ele, ainda tão perto do teu céu! A sua vida era beber-me leite... No olhar com que me olhava tinha um véu De neblinas, de névoas de outras vidas... As vezes, tinha as pálpebras descidas E punha-se a chorar no meu regaço Com saudades, talvez, do céu, do espaço... O meu filho tem febre! Por que andam a cantar pelos caminhos? Por que há berços e ninhos? Vida! O meu filho era belo, O meu filho era forte! Vida, que mãe és tu? Defende-me da morte! Vida! Vida! Vida! Louvado seja Deus! A morte foi-se embora! Jà não tens febre agora! Louvado seja Deus! O meu menino vive, Este menino, o meu, que só eu tive! E pude blasfemar! E o meu menino chora, e eu posso já cantar! E o meu menino canta e eu posso já chorar! O meu menino vive e toda a vida canta, Toda a terra é uma fresca e sonora garganta! Que toda a gente o saiba e toda a terra o veja! Louvado seja Deus! Louvado seja!


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