Felipe D’Oliveira


O Epitáfio que Não Foi Gravado

Todos sentiram quando a morte entrou com um frêmito apressado de retardatária. A que tinha de morrer, — a que a esperava, — fechou os olhos fatigados de assistirem ao mal-entendido da vida. Os que a choravam sabiam-na sem pecado, consoladora dos aflitos, boca de perdão e de indulgência, corpo sem desejo, voz sem amargor. A que tinha de morrer fechou os olhos fatigados, mas tranqüilos... Porque os que a choravam nunca saberiam o rancor sem perdão de sua boca, o desejo saciado de seu corpo, o amargor de sua voz, a sua angústia de arrastar até o fim a alma postiça que lhe fizeram, o seu cansaço imenso de abafar, secretos, na carne ansiosa, a perfeição e o orgulho de pecar. A que tinha de morrer fechou os olhos para sempre e os que a choravam nunca souberam de alguém que foi de todos junto ao leito à hora do exausto coração parar o mais distante, o mais imóvel, o que não soluçou o que não pôde erguer as pálpebras pesadas, o que sentiu clamar no sangue o desespero de sobreviver, o que estrangulou na garganta o grito dilacerado do solitário, o que depôs, sobre a serenidade da morte purificadora, a redenção do silêncio, como uma pedra votiva de sepulcro.


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