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A HISTÓRIA DE
MANOEL VICENTE
PAI  DE
MARIA APARECIDA.
 
 
 
        1 
        No interior do Nordeste 
        vivia um homem decente, 
        honesto e trabalhador, 
        sempre disposto e valente, 
        era filho de um doutor  
        que em uma escrava  o gerou, 
        seu nome: Manoel Vicente. 

        2 
        Seu  pai era um homem bom, 
        por isto o reconheceu, 
        sua mãe alforriou 
        no dia que ele nasceu, 
        deu-lhe nome e o batizou 
        e herança lhe deixou 
        legada quando morreu.  

        3 
        Cresceu ao lado do pai 
        a quem por prazer servia, 
        pois este nunca o deixara  
        padecer na enxovia, 
        sua mãe também livrara 
        e isto era coisa rara 
        que quase nunca se via. 

        4 
        Sua mãe alforriada, 
        trabalhava por prazer, 
        não morava na senzala, 
        seu pai mandara fazer 
        uma casinha para ela  
        e eles moravam nela  
        sem ninguém os aborrecer. 
          

        5 
        A senhora da fazenda, 
        a esposa do doutor, 
        embora não reclamasse 
        prá não perder seu amor, 
        vivia em grande desgosto 
        trazendo sempre no rosto 
        a marca da sua dor. 

        6 
        Ela lhe dera dois filhos, 
        Leonora e Deodato, 
        que eram p’rás leis de então 
        únicos filhos de fato, 
        Manoel Vicente, O bastardo, 
        pesava-lhes como um fardo 
        e era dos três odiado. 

        7 
        Muito embora o doutor fosse 
        querido na região, 
        um desafeto político 
        que perdera uma eleição, 
        mandara alguém o emboscar 
        e friamente o matar 
        a tiros de mosquetão. 
          
        8 
        Quando chegou a notícia 
        deste vil assassinato, 
        a viúva do doutor 
        chamou o filho Deodato 
        porque achou mais urgente 
        livrar-se de Manoel Vicente 
        do que apurar o fato. 
         
         
          

        9 
        Manoel Vicente ao saber, 
        do que ao pai acontecera, 
        e que também  já tramavam 
        toda a sua desgraceira 
        de caçarem-lhes o naminão 
        devolvendo-os a escravidão, 
        ele e a mãe, esta primeira. 

        10 
        A escravidão grassava 
        por este brasil afora, 
        e ele embora mulato  
        desta dor vivia fora, 
        pois era livre de fato 
        e por seu desiderato 
        resolveu-se ir-se embora. 

        11 
        Juntou as coisas que tinha, 
        duas mulas carregou, 
        arriou a égua mansa 
        nela sua mãe montou, 
        juntou armas e munição 
        e encheu o matulão 
        com a prata que amealhou.  

        12 
        Cavalgaram toda a noite 
        e ao romper a madrugada 
        conseguiram alcançar 
        o começo da chapada 
        e duas horas depois 
        estavam chegando os dois 
        a cabana abandonada. 
         
          

        13 
        Instalou lá sua mãe 
        e falou que ia voltar, 
        e descobrir quem mandara 
        ao amado pai matar, 
        pois fora um homem decente 
        morto tão covardemente, 
        o haveria de vingar. 

        14 
        Voltou por outro caminho 
        temendo uma emboscada, 
        sabia que a madrasta  
        já estava preparada 
        com instinto de animal 
        a fazer-lhes qualquer mal 
        pelos filhos ajudada. 

        15 
        E ele tinha razão, 
        pois mal o dia raiara, 
        três sujeitos a mando dela, 
        fazendo o que ordenara, 
        foram a casa da rival 
        dispostos a qualquer mal, 
        da casa nada sobrara. 

        16 
        pelo o plano da megera, 
        eles deveriam achar 
        a preta e seu bastardo 
        e aos dois, executar 
        e a casa com os corpos dentro 
        sem hesitar um momento 
        meter fogo e os queimar. 
         
         
          

        17 
        Como não os encontraram 
        queimaram a casa assim mesmo, 
        tudo transformou-se em cinzas, 
        mas deram a viajem a esmo, 
        pois a ordem era encontrar 
        mãe e filho e os matar 
        e transforma-los em torresmo. 

        18 
        Manoel Vicente passou 
        direto para a cidade, 
        foi procurar o juiz 
        que tinha grande amizade 
        pelo pai assassinado; 
        por te grande probidade. 

        19 
        em lá chegando, o juiz, 
        o recebeu muito bem, 
        falou que estava pensando 
        em vingar seu pai também, 
        disse que o ajudaria, 
        toda informação daria 
        e ainda iria além. 

        20 
        pois a ele entregaria  
        o que o pai lhe legara, 
        duas mil libras esterlinas 
        que em suas mãos confiara, 
        prá que se acaso morresse 
        Manoel as recebesse 
        como herança que deixara. 
         
          

        21 
        o juiz lhe explicou 
        que aquela situação 
        se gerara na fazenda 
        do coronel Militão, 
        politico mal sucedido 
        que acoitava bandido 
        e apadrinhava ladrão. 

        22 
        Manoel Vicente teria  
        que pegar e espremer, 
        um jagunço da fazenda 
        e fazer ele dizer 
        quem seria o “pau mandado” 
        que ao pai tinha emboscado, 
        ir atrás e o prender. 

        23 
        depois dele confessar 
        a culpa do Militão, 
        que jamais seria preso 
        que fosse culpado ou não, 
        Manoel Vicente agiria, 
        e o coronel pagaria 
        sua grande traição. 

        24 
        o juiz mandou um homem, 
        bem armado prá chapada, 
        proteger a sua mãe 
        na cabana abandonada, 
        com ordem para matar 
        quem quer que chegasse lá  
        procurando a indigitada. 
          

                  25 
        Manoel Vicente ficou 
        tres dias com o juiz, 
        no quarto dia partiu  
        em busca do infeliz 
        que iria capturar 
        prá depois interrogar, 
        foi a noite porquê quis.  

        26 
        se criara por ali, 
        conhecia a região, 
        antes que o dia raiasse 
        pôs-se em uma elevação, 
        embaixo de um umbuzeiro 
        dominando sobranceiro 
        a fazenda Militão. 

        27 
        passou a manhã ali 
        vendo todo movimento 
        viu quem entrou e saiu 
        reparou no armamento 
        que a jagunçada usava, 
        viu como ela se portava, 
        e aguardou o momento. 
          

        28 
        às duas horas da tarde 
        viu chegar pela  estrada 
        tocada  por seis vaqueiros 
        uma pequena boiada 
        quando um garrote espirrou, 
        e em seu encalço galopou 
        um vaqueiro em disparada. 
         
          

        29 
        o garrote disparou 
        no rumo do umbuzeiro 
        sob o qual  Manoel  Vicente 
        esperava o tempo inteiro 
        e resolveu de repente 
        usar de unhas e dentes 
        para agarrar  o vaqueiro. 
          

        30 
        o garrote disparado 
        passou bem à sua frente, 
        desceu no mesmo galope 
        na trazeira da vertente 
        com o vaqueiro colado 
        certo de o Ter apanhado 
        pois nisto era competente. 

        31 
        mal ele havia passado 
        Manoel Vicente montou, 
        Pegou seu laço de couro 
        E a galope o acompanhou 
        Na bargada de um serrote 
        Sem que pegasse o garrote 
        Manoel Vicente o laçou. 

        32 
        o cavalo foi em frente 
        ele caiu na poeira 
        Manoel Vicente saltou 
        Já sacando a lambedeira 
        E no garguelo encostando 
        Foi para o cabra falando: 
        _”Não tente fazer besteira. 
          

        33 
        depois de o Ter amarrado 
        foi apanhar os cavalos. 
        Que pararam mais à frente 
        Pois já eram acostumados 
        A esperar seus vaqueiros 
        Nos trabalhos rotineiros 
        De ferra e pega de gado 

        34 
        mandou o cabra montar 
        e andaram uma légua e meia, 
        chegou a um morro de pedras 
        em meio a catinga feia, 
        e disse-o que se não falasse 
        na hora que o interrogasse 
        ia quebrá-lo na peia. 

        35 
        o vaqueiro apavorou-se 
        com sua situação  
        no meio daquele ermo, 
        amarrado e sem ação 
        nas mãos do desconhecido 
        já se sentia perdido, 
        não teria salvação. 

        36 
        Manoel Vicente falou: 
        _Me escute bem ó sujeito 
        pra sair daqui com vida 
        pra você só tem um jeito; 
        dizer o que quero ouvir 
        depois eu o deixo ir 
        bom de saúde e perfeito. 
         
          

        37 
        meu nome é Manoel Vicente 
        filho do Doutor Clemente 
        homem bom, justo e honesto, 
        mas morto covardemente 
        durante uma emboscada  
        sem chance de fazer nada; 
        embora fosse inocente. 

        38 
        Quem mandou a gente sabe, 
        Foi teu dono, o Militão, 
        Mas o que quero saber 
        É o autor da ação, 
        O cabra que o emboscou 
        E por dinheiro o matou 
        A tiros de mosquetão. 

        39 
        o vaqueiro então falou: 
        _Não me faça nenhum mal, 
        digo tudo p’ro senhor, 
        foi o preto Abdoral 
        escravo de confiança 
        e bem afeito a matança 
        ele é como um animal. 

        40 
        sua força é descomunal 
        dizem que alui um cavalo, 
        derruba touro a mãos nuas, 
        vai ser difícil enfrentá-lo 
        pois luta e atira bem 
        o mais difícil porém 
        é alguém capturá-lp. 
         
          

        41 
        Manoel Vicente falou: 
        _Este aí ei já conheço 
        já vi as suas façanhas 
        e vou provar que mereço 
        de ser filho de quem sou, 
        do meu pai que ele matou 
        a mim vai pagar o preço. 

        42 
        Depois falou p’ro vaqueiro: 
        Eu não posso te soltar, 
        tu vais pra casa correndo 
        mode me denunciar, 
        e atrapalha minha jogada, 
        não vou poder fazer nada 
        e nem meu pai vou vingar. 

        43 
        Mas não quero te matar, 
        Nunca me fizeste mal, 
        Quero sim o Militão 
        E o preto Abdoral, 
        Mas isso até Deus consente, 
        Mataram pai inocente, 
        Isto é vingança carnal. 

        44 
        Escute com atenção 
        O que vou fazer porém, 
        Vou atar tua vida à minha, 
        Pois não te quero mal nem bem, 
        Vou te deixar amarrado 
        E vou atrás do safado; 
        Se eu morrer, morres também. 
         
          

        45 
        Mas caso eu mate os dois 
        Eu volto pra te soltar, 
        Deixo a cabaça d’água, 
        Também vou te alimentar 
        Deixo comida demais 
        Se pego os dois animais 
        Eu volto pra te soltar. 

        46 
        Sob um pé de cajarana  
        Que crescera isolado, 
        Manoel deitou o vaqueiro 
        Junto do tronco, emborcado, 
        Com as pernas o abarcando 
        Qual se tivesse montando 
        E atou os pés do outro lado. 

        47 
        Tendo-o no pau escanchado 
        Com a barriga no chão, 
        Molhou o couro do laço 
        E fez uma amarração 
        No pescoço e esticou 
        Do outro lado amarrou 
        Depois soltou-lhe uma mão 

        48 
        Um nó em laço de couro 
         Ninguém pode desatar 
        Os pés atados um no outro 
        Não tinha como alcaçar 
        Ficou lá o desgraçado 
        Na cajarana amarrado 
        E começou a chorar. 
          

        49 
        Manoel Vicente sabia, 
        Que Abdoral costumava 
        Ir sempre à cidade às sextas, 
        E que lá se embriagava, 
        Brigava nos lupanares, 
        Quebrava coisas nos bares 
        Mas ninguém o molestava. 

        50 
        A fazenda Militão 
        Da cidade era distante 
        Légua e meia bem medida, 
        E a estrada serpenteante, 
        Varava grotas e serras, 
        Manoel foi naquelas terras 
        Tocaiar o meliante. 

        51 
        Na Sexta pela manhã, 
        Andou por lá e estudou 
        Um lugar apropriado, 
        E finalmente encontrou. 
        E sobre uma ribanceira 
        Na sombra da catingueira, 
        Aboletou-se e esperou. 

        52 
        Ficou ali um pedaço, 
        E uma idéia lhe ocorreu, 
        Rolando uma grande pedra 
        Que para a estrada desceu 
        Levando outras consigo, 
        Voltou para seu abrigo, 
        Ficou lá ; e entardeceu. 
         
         
          

        53 
        Já seriam cinco horas 
        Quando ouviu se aproximar 
        O trotar de dois cavalos 
        Com homens a conversar, 
        Era o preto e um amigo 
        Que ele trouxera consigo 
        Pra beber e farrear. 

        54 
        Viram que pela avalanche 
        Os animais não passariam 
        Por isto se apearam 
        E às pedras se dirigiam, 
        No intuito de afastá-las, 
        Pois se pudessem tirá-las 
        Seu caminho seguiriam. 

        55 
        O preto Abdoral  
        Pegou uma pedra e ergueu, 
        Como se fosse taboca 
        E na grota a arremeteu, 
        Manoel Vicente com zelo  
        Mirou no seu tornozelo 
        Atirou e o rompeu. 

        56 
        Os estilhaços de ossos 
        Voaram pra todo lado 
        Abdoral deu um berro 
        E caiu desamparado. 
        Seu amigo quis fugir , 
        Mas só o fez pra cair 
        Mortalmente baleado. 
         
          

        57 
        Manoel Vicente desceu 
        A vertente na carreira 
        Chegou-se ao Abdoral 
        Que sentado na poeira 
        ‘stava na perna agarrado 
        vendo o pé dependurado 
        e a junta uma desgraceira. 

        58 
        Manoel Vicente mirou 
        No joelho a queima roupa 
        Queimou o papo amarelo 
        E o negro com a voz rouca 
        Deu um berro desgraçado 
        E Manoel descontrolado 
        Meteu-lhe o cano na boca. 

        59 
        Manoel Vicente falou: 
        _Escuta preto safado, 
        o homem que tu matou, 
        era meu pai, desgraçado, 
        ele era um homem de bem, 
        por isto morres também 
        pois tu fostes o pau-mandado. 

        60 
        Não penses que me escapa 
        O teu dono, o Militão 
        Vou direto à casa dele 
        Acabar esta questão. 
        Antes que o dia amanheça, 
        Talvez até eu pereça, 
        Mas ele fala com o cão. 
         
          

        61 
        Tendo isto dito; puxando 
        O gatilho, o disparou. 
        A bala quarenta e quatro 
        No palato penetrou 
        Rompendo o crânio em pedaços 
        Que coberto de estilhaços 
        De ossos o solo ficou. 

        62 
        Na montaria do preto 
        Manoel Vicente encontrou 
        Um mosquetão Manichelle, 
        Sua munição pegou, 
        Mais um revólver arnagão 
        Que encontrou num matulão 
        Meteu na cinta e o levou. 

        63 
        Seguiu dali pra fazenda 
        Do coronel Militão, 
        Que distava légua e meia, 
        Não forçou seu alazão 
        Foi num passo moderado 
        Queria ele descansado  
        Na hora da precisão. 

        64 
        No lugar de onde antes 
        Saíra atrás do vaqueiro 
        Manoel Vicente postou-se 
        Aos pés do mesmo umbuzeiro. 
        Já era noite fechada 
        Porém toda jagunçada 
        ‘stava ao redor de um braseiro . 
         
          

        65 
        Manoel Vicente os contou 
        Eram oito os que ele via 
        Porém não tinha certeza 
        Quantos na casa haveria. 
        Ficou ali esperando, 
        As horas foram passando 
        Porém nada acontecia. 

        66 
        Seria umas nove horas 
        Quando o coronel saiu 
        Chamou por um dos jagunços 
        Que depressa lhe acudiu 
        Deu-lhe uma ordem expressa 
        O cabra voltou depressa, 
        Chamou mais quatro e partiu. 

        67 
        Manoel Vicente ao ver  
        Aquele bando partir 
        Achou que era um sinal 
        Que Deus dava pra ele agir, 
        Que sua chance era aquela 
        E que se perdesse ela 
        Outra podia não vir. 

        68 
        Deixou passar meia hora 
        Pra que os cabras se afastassem 
        Para que não conseguissem 
        Ouvir os tiros e voltassem 
        Dificultando-lhe a vida 
        Porque aquela partida 
        Não queria que ganhassem. 
         
          

        69 
        Montou no seu alazão  
        E da colina desceu, 
        Com o revólver do preto, 
        E o rifle que era seu, 
        Tinha um em cada mão 
        E assim pronto pra ação 
        A galope arremeteu. 

        70 
        Seguiu direto à fogueira 
        Onde os jagunços ficaram, 
        E ao ouvir o galope 
        Os três rápidos levantaram, 
        Isto foi uma besteira, 
        Pois no clarão da fogueira 
        Alvos fáceis se tornaram. 

        71 
        Manoel Vicente porém 
        Vindo da escuridão, 
        Não era por eles visto, 
        Com uma arma em cada mão 
        Abriu um fogo cerrado 
        Dois caíram baleados 
        E um se jogou no chão. 

        72 
        Manoel passou direto 
        Sem refrear a carreira 
        Penetrou na casa grande 
        Pela porta dianteira 
        Chovia bala adoidado 
        E o alazão esporeado 
        Quebrou a mobília inteira. 
         
          

        73 
        O primeiro que morreu 
        Foi o velho militão 
        Que saiu da camarinha 
        De bacamarte na mão, 
        Mas antes que atirasse 
        Manoel mandou que parasse 
        Com um tiro de arnagão. 

        74 
        A bala quarenta e cinco 
        Entrou com gosto de gás 
        Bem no meio do esterno  
        Arrombou tudo por trás 
        E o coronel militão 
        Nesta mesma ocasião 
        Foi falar com satanás. 

        75 
        Manoel ainda matou 
        Mais um que apareceu, 
        Saindo para o alpendre 
        Um tiro o surpreendeu, 
        O cabra que atirara, 
        Aquele que se deitara, 
        Se levantou mas morreu. 

        76 
        Dali mesmo ele partiu 
        Para onde havia deixado 
        No tronco da cajarana 
        O pobre homem amarrado 
        Aquela hora o luar 
        Começou a levantar 
        Tava tudo iluminado. 
         
          

        77 
        Deviam ser uma e meia, 
        De manhã, quando chegou 
        Junto do morro de pedras. 
        Porém não se aproximou, 
        Só procurou um lugar 
        E apeou pra descansar, 
        E assim a noite passou. 

        78 
        Só se levantou dali 
        Quando o dia clareou 
        Foi ao pé de cajarana 
        E o vaqueiro encontrou 
        O cabra estava exaurido, 
        O laço tinha roído 
        Porém não o apartou. 

        79 
        Manoel Vicente falou: 
        _O seu dono já matei,  
        também o Abdoral, 
        e outro que encontrei, 
        estavam juntos, isto é fato, 
        na fazenda matei quatro, 
        como prometi, voltei. 

        80 
        Agora  vou lhe soltar, 
        Mas um conselho lhe dou, 
        Desapareça daqui, 
        Nem fale que me encontrou, 
        E se ainda quiser viver,  
        É melhor me esquecer, 
        Nunca diga quem eu sou. 
         
          

        81 
        Cortando as cordas soltou, 
        O cafuzo que sumiu 
        Por dentro da capoeira 
        Tão feliz que até sorriu, 
        Daquele dia pra frente 
        Contava Manoel Vicente, 
        Nunca mais na vida o viu. 

        82 
        Dali seguiu pra cidade, 
        E a achou em convulsão, 
        A notícia já chegara 
        Da morte do militão, 
        Contava o povo excitado, 
        Tudo muito exagerado, 
        Era a maior confusão. 

        83 
        Foi à casa do juiz 
        Contou-lhe tudo o que fez, 
        O juiz muito orgulhou-se, 
        De um amigo deste jaez, 
        Que vingara o pai amado, 
        E um trabalho complicado 
        Fizera de uma só vez. 

        84 
        Conforme lhe prometera 
        Sua herança lhe entregou, 
        Deu-lhe ainda uma lembrança 
        Que o Manoel adorou 
        Um punhal “ponta de espada” 
        Com a bainha dourada 
        Que do próprio pai herdou. 
         
          

        85 
        Mandou-o pra Pernambuco 
        E uma carta escreveu 
        Aonde o recomendava, 
        A um grande amigo seu, 
        Também juiz de direito, 
        Bom amigo e bom sujeito, 
        E a Manoel Vicente a deu.  

        86                                       A carta 
        Ferdinando Pontas grossas, 
        Receba um fraterno abraço, 
        O portador que te entrega 
        Esta carta que te faço 
        É filho de um grande amigo, 
        Mas corre grande perigo, 
        Quero salvá-lo do laço. 

        87 
        O seu pai, indigitado 
        Era um bom amigo meu, 
        Era um grande advogado, 
        Foi emboscado e morreu, 
        O portador, que o amava, 
        É filho de uma escrava, 
        Mas ele o reconheceu. 

        88 
        Sua mãe, que vai com ele, 
        É uma velha mucama, 
        Mas morto o patrão, a ama 
        Resolveu lhe assassinar, 
        Até já mandou queimar 
        A casa, da desvalida 
        Que só não perdeu sua vida, 
        Por o filho a tirar de La. 
          

        89 
        Manoel Vicente também, 
        Está com os dias contados, 
        Se os dois forem encontrados, 
        Não lograrão salvação, 
        Te peço como um irmão 
        Para você recebê-los, 
        Tentar estabelecê-los, 
        E dar-lhes orientação 

        90 
        Eles não são indigentes, 
        Pois o Clemente os legou 
        Uma pequena fortuna, 
        E a mim a confiou, 
        Após a morte o chamei 
        A herança lhe entreguei, 
        Com ela ele viajou. 

        91 
        Duas mil libras esterlinas, 
        Fora o que amealhou 
        Pois durante sua vida 
        Ele muito trabalhou, 
        Ajude-o a encontrar 
        Uma boa terra e a comprar, 
        O ajudando o ajudou. 

        92 
        Sem Ter  mais para o momento, 
        Te sou grato antecipado, 
        Pois sei que farás por ele 
        O que foi solicitado, 
        Aceite um abraço fraterno, 
        Deste teu amigo eterno, 
        Juventino, teu criado. 
          

        93 
        Após pegar do juiz 
        As coisas que ele deu 
        Manoel Vicente montou 
        E dali se escafedeu,  
        Direto para a chapada, 
        Pegou sua mãe amada 
        E seguiu o destino seu. 

        94 
        Depois de um mês na estrada, 
        Chegaram ao seu destino, 
        No sertão de Pernambuco 
        Um lugar bem pequenino, 
        Chamado Vila das Flores, 
        Ficaram cheios de amores 
        E ficaram lá residindo. 

        95 
        A primeira providência, 
        Foi por ali perguntando 
        Descobrir onde morava 
        O tal doutor Ferdinando 
        Todo mundo o conhecia, 
        E em pouco acontecia 
        De estar a carta entregando. 

        96 
        Assim que o doutor a leu, 
        Mandou que os dois entrassem 
        E nas poltronas da sala 
        Pediu que os dois sentassem, 
        Pois ele ia se aprontar 
        E sair para arranjar 
        Um lugar que os dois ficassem. 
         
          

        97 
        Em uma casa vazia  
        Pertencente a um amigo 
        Não muito longe dali, 
        O doutor lhes deu abrigo, 
        Ajudou no que podia, 
        E disse que no outro dia 
        Conversaria consigo. 

        98 
        No outro dia o doutor, 
        Veio com eles falar, 
        Sobre  um sítio muito bom 
        Que poderiam comprar, 
        Não era muito distante, 
        E tinha água abundante 
        Levou os  dois para olhar. 

        99 
        Levou-os em sua charrete, 
        Sem demonstrar preconceito, 
        (o que havia muito então) 
        por ser um homem direito 
        os tratava com igualdade 
        embora toda cidade 
        os olhasse de mal jeito. 

        100 
        O doutor havia lido 
        A carta de alforria 
        Manoel Vicente a mostrara 
        Na hora que os recebia, 
        E este era reconhecido 
        Como filho do falecido 
        Disto o doutor já saia. 
         
          

        101 
        Se chamava Pitangueira 
        O sítio que foram ver, 
        Acharam maravilhoso, 
        Mandaram o doutor fazer 
        O papel de compra e venda, 
        Já sonhando na fazenda 
        Que aquele sítio ia ser. 

        102 
        Custou mil libras esterlinas 
        Com a porteira fechada, 
         Sua mãe de tão contente, 
        Não podia dizer nada, 
        No mesmo dia pagaram 
        E no outro se mudaram, 
        A vida estava arranjada. 

        103 
        Ali Manoel prosperou, 
        E era muito respeitado, 
        Mas aos vinte e cinco anos 
        Ainda não tinha casado 
        E isto não o preocupava, 
        Só com a mãe se ocupava 
        Era uma filho dedicado. 

        104 
        De repente o destino 
        Um novo plano teceu, 
        Veio morar um tropeiro 
        No terreno junto ao seu, 
        Tinha uma grande família, 
        E tinha uma linda filha 
        A única que Deus lhe deu. 
         
          

        105 
        Se chamava Dorotéia, 
        E parecia uma flor, 
        Seus oito irmãos e os pais 
        Nutriam-lhe grande amor, 
        Jamais pensaram em casá-la, 
        Achavam que separá-la, 
        Lhes traria grande dor. 

        106 
        Mas cupido trama artes, 
        Que até o diabo duvida, 
        Nas coisas do coração 
        Se resume a sua lida, 
        Uma armadilha tramou, 
        E Manoel Vicente achou, 
        O amor da sua vida. 

        107 
        Um dia Manoel Vicente 
        Foi falar com o tropeiro, 
        Que tinha quarenta mulas, 
        E andava o sertão inteiro 
        Vendendo a mercadoria 
        Que de Recife trazia, 
        Ganhava muito dinheiro. 

        108 
        Manoel Vicente queria 
        Pedir para ele trazer 
        Umas coisas do Recife 
        Que ele queria Ter, 
        Uma arado de aço, inglês, 
        Este valia por três, 
        E era difícil obter. 
         
          

        109 
        E uma espingarda de caça, 
        De dois canos, reforçada, 
        De preferência da Bélgica 
        Pois era a mais afamada 
        Dez caixas de munição, 
        Da marca collins um facão, 
        E uma sela trabalhada. 

        110 
        Quando estavam conversando 
        Dorotéia na sala entrou, 
        Manoel quando a viu 
        Logo tartamudeou, 
        Não conseguiu mais falar, 
        Fixou nela o olhar, 
        Pra ele o resto acabou. 

        111 
        Ele nunca havia visto 
        Uma moça tão formosa, 
        Os cabelos longos e negros, 
        Corada como uma rosa, 
        Um sorriso cativante, 
        Belo corpo, exuberante, 
        Era a coisa mais mimosa. 

        112 
        Tinha dezessete anos, 
        E era a coisa mais bela, 
        Manoel Vicente ficou 
        Apaixonado por ela, 
        E tomou a decisão 
        No fundo do coração 
        Que casaria com ela. 
         
          

        113 
        A recíproca foi um fato, 
        Pois Dorotéia também, 
        Sentiu que Manoel Vicente, 
        Seria seu grande bem 
        E o olhou apaixonada, 
        E mesmo sem falar nada, 
        Seu olhar foi muito além. 
          

        114 
        O tropeiro Malaquias, 
        Notou tudo em um relance, 
        Decidiu que não devia 
        Intervir naquele lance, 
        Porque no fundo sabia 
        Que barrar ninguém podia 
        Um verdadeiro romance. 

        115 
        Manoel lhe deu o dinheiro 
        Para a encomenda que fez, 
        Malaquias lhe avisou 
        Que só no segundo mês, 
        Do dia em que partiria 
        É que ele voltaria,  
        Traria tudo talvez. 

        116 
        Nos meses que se seguiram, 
        O namoro aconteceu, 
        Ninguém desmancha uma trama 
        Que o destino teceu, 
        Ao Malaquias voltar, 
        Manoel  foi lhe procurar, 
        Pediu-lhe a mão; e ele deu. 
          

        117 
        Passaram três meses noivos, 
        E o casamento se fez 
        Em oitocentos e noventa, 
        No dia quinze do mês, 
        De maio, o mês das flores, 
        Ambos perdidos de amores, 
        Segundo de Deus as leis. 

        118 
        No ano noventa e um, 
        Em vinte de fevereiro, 
        Nasceu-lhes a primeira filha, 
        E Manoel, prazenteiro 
        Convidando a vizinhança 
        Fez uma grande festança 
        E assou um boi inteiro. 

        119 
        Bebida tinha à fartura, 
        Pato, peru e galinha, 
        Tudo quanto era mulher 
        Ajudava na cozinha 
        Trouxeram um sanfoneiro 
        Que junto com um zabumbeiro 
        Tocaram a noite inteirinha. 

        120 
        Dois cantadores de viola 
        Tocavam noutro lugar 
        No martelo agalopado, 
        E no galope à beira-mar, 
        Ao Manoel elogiavam 
        E beleza decantavam  
        De Dorotéia ao rimar. 
         
          

        121 
        Veio o juiz Ferdinando 
        E o padre Clitorino, 
        Que apesar de sacerdote, 
        Era mordaz e ferino, 
        Mas a todos abençoou, 
        E mal de ninguém falou 
        Por milagre do Divino. 

        131 
        Depois da festa acabada, 
        A vida continuou, 
        A criança ficou forte, 
        Porém logo a mãe notou 
        Que a filha era diferente, 
        E apesar de estar contente 
        Uma dúvida a assaltou. 

        132 
        Criou buço e costeleta, 
        Seu corpo ficou peludo, 
        Suas mãos eram maiores 
        Que as de um menino taludo, 
        Peito largo, fortes ossos, 
        Os braços longos e grossos, 
        Bocão e lábios carnudos. 

        133 
        Tinha o choro muito grosso, 
        Desde inda recém-nascida, 
        Assim mesmo os pais a amavam, 
        Por ela dariam a vida, 
        No São João a batizaram, 
        E o nome que lhe legaram 
        Foi Maria Aparecida. 
         
          

        134 
        Manoel e Dorotéia, 
        Mais quinze filhos tiveram, 
        Dez homens e cinco mulheres, 
        Nunca desgostos lhes deram, 
        E normais todos nasceram, 
        Foram crianças e cresceram, 
        E bons filhos todos eram. 

        135 
        Deixemos o casal amigo 
        Nesta sua boa vida 
        Cercando-os a prosperidade 
        Certamente merecida, 
        E a vida vamos contar 
        Para você vamos contar 
        Para você apreciar, 
        Da Maria Aparecida. 
          

        A HISTÓRIA 
        DE  
        MARIA APARECIDA 
        FILHA DE  “MANÉ VICENTE” 

                            1 
        Lá no sítio Pitangueiras, 
        Em noventa e um nasceu, 
        A personagem da história 
        Que agora conto eu, 
        A filha de Manoel Vicente, 
        Que embora diferente 
        Nunca desgostos lhe deu. 
         
          

        2 
        Mesmo quando era criança, 
        Nunca gostou de bonecas 
        Ganhava na traquinagem 
        Dos meninos mais sapecas, 
        Só gostava de caçar, 
        Jogar bola e campear, 
        Lutar e jogar petecas. 

        3 
        Cêdo aprendeu a montar 
        E atirar de mosquetão 
        Aos dez anos derrubava 
        Qualquer bezerro na mão, 
        Ficou forte e se formou, 
        E aos quinze derrubou 
        Seu primeiro barbatão. 

                      4 
        Mas não era truculenta, 
        Era tranqüila e cordata, 
        Nunca provocou ninguém, 
        Mas se contavam bravata, 
        Por maior que o cabra fosse, 
        Sua fama liquidou-se, 
        O quebrava na chibata. 

        5 
        Apesar de ser estranha 
        A família a adorava, 
        Por sua grande energia, 
        Ela muito trabalhava, 
        Assim enfrentava a vida 
        Nunca fugia da lida, 
        E o queria o pai dava. 
         
          

        6 
        Quando tinha doze anos 
        Do seu pai se aproximou, 
        Disse-lhe desejar algo 
        Que a ninguém jamais falou, 
        O rifle papo amarelo, 
        Que ela achava tão belo, 
        Que o pai o presenteou. 

        7 
        Este era uma winchester, 
        Ano oito, sete, meia, 
        Que tinha o corpo de bronze, 
        Não era uma arma feia, 
        Carregava nove balas, 
        Que quando chamava as falas, 
        A morte fácil campeia. 

        8 
        Manoel nem hesitou, 
        Pegou a arma e lhe deu, 
        Aquele rifle pequeno 
        Tôda vida fôra seu 
        Seu pai lhe dera, e êle o dava, 
        Para a filha que amava, 
        ( Jamais se arrependeu ). 

        9 
        Maria quando falara 
        Jamais pensou em o ganhar, 
        Ficou emocionada 
        Quando o pai o foi buscar, 
        Na hora que ele lhe deu, 
        Maria estremeceu 
        E começou a chorar. 
          

        10 
        O pai ficou assustado 
        Com aquela reação, 
        Maria jamais chorara 
        Mesmo com motivação 
        Pois já entrara na pêia, 
        Sem fazer nem cara feia 
        Debaixo do cinturão. 

        11 
        No outro dia de manhã 
        Procuraram sem achar, 
        A Maria Aparecida, 
        Porque sem nada falar, 
        Com o rifle e municiada, 
        Saira de madrugada, 
        Fora sózinha caçar. 

        12 
        Levou a cabaça d’água 
        E um bornal com munição, 
        Dentro de um compartimento 
        Paçoca de carne e pão, 
        Um quarto de rapadura, 
        E levava na cintura 
        A peixeira e um facão. 

        13 
        O facão era o collins 
        Que seu pai encomendara 
        Ao seu avô, do Recife 
        Quando sua mãe avistara, 
        Pela primeira das vêzes, 
        A dali a cinco meses 
        Com a mesma se casara. 
         
          

        14 
        A peixeira tinha doze 
        Polegadas de tamanho, 
        Cortava como navalha, 
        Aos dez anos tinha ganho, 
        De um beato barbudo 
        Que escapara de Canudos, 
        Um homem bom, mas estranho. 

        15 
        Aparecida saiu 
        Antes do sol clarear, 
        Selou um burro e seguiu 
        Porque queria ir caçar 
        Lá no fim da outra chapada, 
        Pois lá havia onça pintada, 
        Muito já ouvira falar. 

        16 
        Das pequenas onças de bode, 
        Que chamam sussuaranas, 
        Ela já matara algumas, 
        Só faziam três semanas 
        Que sózinha uma enfrentara 
        E à espingarda a matara 
        Na plantação de bananas. 

        17 
        Com o rifle quarenta e quatro 
        Que agora o pai lhe dera, 
        Queria uma caça grossa, 
        A sí mesmo ela dissera, 
        E a noite se preparara, 
        E ainda escuro arribara 
        Para ir atrás da fera. 
         
         
          

        18 
        Já eram duas da tarde 
        Quando começou a subir 
        Pelo meio de dois serrotes, 
        Para onde queria ir, 
        ( No fim do século passado 
        quem ia práqueles lados 
        se arriscava a não sair ). 

        19 
        Era um êrmo desgraçado, 
        Lá não era morava ninguém 
        Nem pôr lá haviam estradas 
        Onde houvesse vai e vem, 
        Mas tinha paca e veado 
        Caititú e boi montado, 
        E muita onça também. 

        20 
        Ao chegar no tabuleiro 
        Rumo ao poente seguiu, 
        Encontrou alguns riachos 
        Pôr lá muitos rastos viu, 
        De veado e caititú, 
        Viu préa, mocó e teiú, 
        Mas a onça nem pressentiu. 

        21 
        As cinco horas chegou 
        No começo de uma mata, 
        Aonde de alta rocha 
        Despejava uma cascata, 
        Que virada num riacho 
        Corria cabeça a baixo 
        Borbulhando em serenata. 
         
          

        22 
        Aparecida desceu 
        Acompanhando seu leito, 
        Em pouco tempo encontrou, 
        O lugar que tinha o jeito 
        De ser bom para acampar, 
        Começou por preparar 
        Um fogo muito bem feito. 

        23 
        Juntou a madeira sêca 
        Que pôr alí encontrou, 
        Quando fez um grande monte, 
        Pegou um pouco e arrumou, 
        Pegando seu currimboque, 
        Bateu na pedra de toque, 
        Meteu fogo e o assoprou. 

        24 
        Pegou umas palhas sêcas, 
        Que já tinha preparado, 
        E quando a chama subiu, 
        Pôs nuns gravetos quebrados, 
        E acendeu a fogueira, 
        Prá durar a noite inteira, 
        Tinha tudo preparado. 

        25 
        Amarrou bem amarrado, 
        O burro, prá não fugir, 
        Com duas horas escutou 
        Não muito longe dali, 
        Um esturro desgraçado 
        Que jamais tinha escutado, 
        Resolveu-se a não dormir. 
         
          

        26 
        Foi alimentando o fogo, 
        Mas o cançasso chegou, 
        Seus olhos foram pesando, 
        De repente cochilou, 
        Acabou adormecendo, 
        Foi o fogo esmaecendo 
        Até que enfim apagou. 

        27 
        Voltemos a esta manhã, 
        Na casa de Manoel Vicente, 
        Onde todos especulavam 
        Muito apreensivamente 
        Pôr qual motivo na vida 
        A Maria Aparecida 
        Sumira assim de repente. 

        28 
        O seu pai logo atinou, 
        Que a coisa devia estar 
        Associada ao rifle 
        Que acabara de lhe dar, 
        Calculou ali então, 
        Que levara a munição 
        E o fora experimentar. 

        29 
        As horas foram passando, 
        Tiro nenhum se ouviu, 
        Meio dia Manoel Vicente 
        Finalmente decidiu, 
        Que ia pegar a trilha 
        E seguir atrás da filha 
        Se preparou e partiu. 
         
          

        30 
        Mandou correndo chamar, 
        Seu cunhado Deodato, 
        Que era irmão de Dorotéa, 
        Bom rastreador de fato, 
        Passou o bicho ele encontra, 
        Tenha pata, casco ou ponta 
        Seja em terra, pedra ou mato. 

        31 
        Mandou dizer que viesse 
        Armado e municiado, 
        Pois ninguém alí sabia 
        O que tinha se passado 
        Pois prá Maria barrar 
        E a impedir de voltar, 
        Só algo muito pesado. 

        32 
        Em meia hora chegou 
        Deodato, e não veio só, 
        Vieram lhe acompanhando, 
        Seus irmãos Bino e Chicó, 
        E um seu primo segundo 
        Que se chamava Edmundo, 
        Sobrinho da sua vó. 

        33 
        Os cinco homens partiram 
        Após tomar um repasto, 
        Daí a vinte minutos 
        Já estavam seguindo o rasto, 
        Do velho burro Tordilho, 
        Deodato achara o trilho, 
        Maria o laçou no pasto 
         
         
          

        34 
        Os cinco seguiram a trilha 
        Até quando escureceu, 
        E pelo rumo que ia 
        Todo mundo compreendeu 
        Que Maria Aparecida 
        Corria risco de vida, 
        E qual era o plano seu. 

        35 
        Como sabiam o caminho 
        Resolveram prosseguir, 
        A vantagem da Maria 
        Tinham que diminuir, 
        Até junto a serra iriam, 
        Só alí pernoitariam, 
        E mal clareasse, à subir. 

        36 
        O cruzeiro estava alto 
        Quando êles chegaram lá, 
        Eles peiaram os cavalos 
        E os deixaram pastar, 
        Ajeitaram uma fogueira 
        Que durasse a noite inteira, 
        E deitaram prá descansar. 

        37 
        Foi mais ou menos esta hora, 
        Que Maria adormeceu, 
        Caiu num sono profundo 
        E o fogo esmaeceu, 
        As chamas se apagaram, 
        Mas muitas brasas ficaram 
        Aquecendo o corpo seu. 

        38 
        Já era a última virgília 
        Antes do amanhecer, 
        Que é a hora mais escura 
        Antes da barra nascer, 
        O seu burro se agitou 
        Fungou muito e até zurrou, 
        E ela nada pode ver. 

        39 
        Pôr ela ser muito nova, 
        E seu corpo estar cansado, 
        Estava alí desmaiada, 
        Num sono muito pesado, 
        Sem ouvir o alvoroço 
        Pois fizera um grande esforço 
        Para ficar acordada. 

        40 
        Mas quando a onça esturrou, 
        Ela acordou de repente 
        Seu rifle estava ao seu lado, 
        Pegou-o e ficou de frente, 
        Para onde o burro estava, 
        Na mesma hora escutava 
        Um barulho diferente. 

        41 
        Foi quando a onça pulou 
        Sôbre as costas do coitado 
        Meteu-lhe as garras ao focinho 
        Seu pescoço foi puxado, 
        Mordeu na sua garganta, 
        Em extertor êle levanta 
        E caem no mato fechado 
         
         
          

        42 
        Aparecida jogou 
        Palhas sêcas no braseiro, 
        Subiu uma labareda 
        Clareando o mato inteiro 
        E viu a onça amontada 
        No Tordilho abocanhada, 
        E deu-lhe um tiro certeiro 

        43 
        O tiro pegou em cheio, 
        Porém não fora mortal, 
        A onça se levantou 
        Cheia de instinto animal, 
        Franziu o couro da testa, 
        E correu no rumo desta, 
        Rugindo, o grande animal. 

        44 
        A onça correu três passos 
        E pulou no rumo dela, 
        Maria inda conseguiu 
        Acertar dois tiros nela, 
        A onça era pesada 
        Caindo sobre a coitada 
        Fraturou-lhe uma costela. 

        45 
        E foi nesta hora exata 
        Que a palha se acabou, 
        Tendo o fogo se apagado 
        A escuridão reinou, 
        Ela sacou a peixeira, 
        Pois era muito ligeira, 
        E na bixana cravou. 
         
          

        46 
        Deu-lhe mais de dez facadas, 
        Pelo mêdo que sentia, 
        Ela furava e furava, 
        E a onça nem se mexia, 
        Pois ela a tinha matado 
        Com os tiros que havia dado, 
        Caindo sôbre ela fria. 

        47 
        Não demorou meia hora 
        Para o dia amanhecer, 
        Quando tudo clareou 
        Foi que ela pode ver 
        Que matara um animal 
        Que era descomunal, 
        Não dava nem pra crer. 

        48 
        Sua costela doía, 
        Nem podia respirar 
        Pensava que gostaria 
        De a poder esfolar, 
        Pois aquele enorme couro 
        Seria como um tesouro 
        Que adoraria guardar. 

        49 
        Ela estava consciente, 
        Da sua grande enrascada, 
        Pois ia voltar a pé 
        Atravessando a chapada 
        E se Deus não a ajudasse, 
        Talvez até acabasse 
        Pelas feras devorada. 
         
          

        50 
        Cortou dois palmos do rabo 
        Tirou o couro e o salgou, 
        Depois enrolou num pano 
        E no seu bornal guardou, 
        Três tiros deu no animal, 
        Tirou balas do bornal 
        E o rifle recarregou. 

        51 
        Tirou a sua peixeira, 
        E uma vara cortou, 
        Para usar na subida, 
        E ela muito lhe ajudou, 
        A costela atrapalhava, 
        Doia se respirava 
        Mas Maria suportou. 

        52 
        Naquela hora seu pai 
        Iniciara a subida, 
        Não dormira a noite tôda, 
        Pensando na sua vida, 
        Pois não podia entender 
        Que ali pudesse perder 
        A sua filha querida. 

        53 
        Os sinais tinham provado 
        Que ela havia subido, 
        Alí entre os dois serrotes, 
        E que isto havia sido, 
        Feito com facilidade 
        E era cêdo da tarde 
        Quando ao alto tinha ido. 
         
          

        54 
        Quando chegaram a chapada 
        Resolveram galopar 
        A terra ali era plana 
        E boa de cavalgar 
        A viagem apressariam 
        Porquê os cinco queriam 
        Aparecida encontrar. 

        55 
        Passariam os mesmos riachos 
        Que Aparecida cruzou, 
        E em todos viram os rastos 
        Que o burro dela deixou, 
        Prosseguiram sem demoras, 
        Já seriam nove horas 
        Quando o grupo a avistou. 

        56 
        Notaram pelo andar 
        Que estava machucada, 
        O seu pai partiu na frente 
        Numa grande disparada, 
        E quando a alcançou 
        Saltou ao chão e ficou 
        Chorando a ela abraçada. 

        57 
        Alí ela lhes contou 
        Tudo o que aconteceu, 
        Durante a noite passada, 
        De como o burro morreu, 
        Pediu que juntos voltassem 
        E que a onça esfolassem 
        Porquê o couro era seu. 
         
          

        58 
        Seu pai porém ponderou 
        Que a costela quebrada, 
        Era coisa perigosa 
        E tinha que ser tratada 
        Que voltaria com ela, 
        Mas iriam os tios dela 
        Para esfolar a pintada. 

        59 
        Manoel Vicente voltou, 
        Com Deodato e com ela, 
        Os outros três prosseguiram, 
        Pois iam buscar a sela 
        Que ficara no lugar, 
        E a bichana esfolar 
        E trazer o couro dela. 

        60 
        Maria ia montada 
        Na garupa do alazão, 
        Ia apertando seu pai 
        Encostando ao coração 
        Agora que já passara, 
        Foi que ela avaliara 
        A loucura da sua ação. 

        61 
        Por causa do que fizera, 
        Seus pais haviam sofrido, 
        Seus parentes preocupados 
        Sequer haviam dormido, 
        Fizera uma coisa errada 
        Ao sair para a caçada 
        Sem dizer que tinha ido. 
         
          

        62 
        Eram já nove da noite, 
        Quando em casa chegaram, 
        Sua mãe e seus irmãos 
        De alegria choraram, 
        Quando a história contou, 
        Sôbre a onça que matou 
        Todos se admiraram. 

        63 
        Os tios que voltaram 
        Encontram o burro caido 
        Com a garganta rasgada 
        E o pescoço partido, 
        E o couro da pá rasgado, 
        Com grande naco arrancado, 
        Onde ela tinha morrido. 

        64 
        Os tios Chicó e Bino 
        E seu primo Edmundo, 
        Chegaram-se a onça morta 
        Com um respeito profundo, 
        Seu tamanho aparentava 
        Que dôze arrobas pesava 
        Em qualquer lugar do mundo. 

        65 
        E decidiram levar 
        A cabeçorra da fera, 
        Esfolando só o corpo, 
        Levando o couro que era, 
        Coisa bem grande e pesada 
        Deixando nele pregadas 
        Todas as  garras da fera. 
         
          

        66 
        Enquanto dois trabalhavam 
        Outro tirou os arreios 
        Do velho burro Tordilho, 
        Rabichola, sela e freios, 
        Deu um trabalho danado, 
        Pois o burro era pesado, 
        Mas êle inventou os meios. 

        67 
        Era mais de onze horas, 
        Quando foram terminar, 
        Avivaram a fogueira 
        Para a boia preparar, 
        E após comerem, uma hora, 
        É que de lá foram embora, 
        Com vontade de chegar. 

        68 
        As seis horas eles chegaram 
        Ao lugar onde dormiram, 
        Não quizeram pernoitar, 
        Seu caminho prosseguiram, 
        Só as dez horas da noite 
        Pararam para o pernoite, 
        Mas a cinco prosseguiram. 

        69 
        Já passava de meio dia 
        Quando em casa encostaram, 
        Mas pôr todo vizinhança 
        As notícias se espalharam, 
        Para ver Aparecida 
        E a grande fera abatida 
        Muitas vizitas chegaram. 
         
          

        70 
        Maria teve enfaixada 
        A costela que quebrou, 
        Como era jovem e forte, 
        Velozmente se curou, 
        Sentiu-se realizada 
        Tendo a arma batizada 
        Pela fera que matou, 

        71 
        Fizeram-na os pais jurar, 
        Que nunca mais sairia, 
        Sem antes comunicar 
        O lugar para onde iria, 
        Logo ela concordou 
        E prontamente jurou, 
        Que jamais isto faria. 

        72 
        Após fazer quinze anos, 
        Seu bigode escureceu, 
        Mas ela nunca o raspou 
        Nem isto a entristeceu, 
        Ela sabia aceitar, 
        Nunca a viram se queixar 
        Daquilo que Deus lhe deu. 

        73 
        Houve uma ferra de gado 
        Na fazenda do Romão, 
        Todos foram convidados 
        Prá fazer apartação, 
        E como sempre se dava 
        Aquilo se transformava 
        Numa festa de peão. 
         
          

        74 
        Seu pai sempre a levava, 
        As vaquejadas que haviam 
        Pôr aquela região, 
        E aquela eles já iriam, 
        A vários anos seguidos 
        E eram bem recebidos 
        Pois alí todos os queriam, 

        75 
        Maria desde menina 
        Já bezerros derrubava, 
        E de ano para ano 
        A sua fama aumentava, 
        E agora duplicara 
        Pois da onça que matara, 
        A três anos se falava. 

        76 
        A cinco anos fugira 
        Da fazenda do Romão, 
        Um garrote bem formado 
        Que virara um Barbatão, 
        Terrível touro montado 
        Pois havia se criado 
        Nas caatingas do sertão, 

        77 
        Iam as dezenas os vaqueiros, 
        Tentarem captura-lo, 
        Os que tiveram mais sorte, 
        Não puderam acompanha-lo, 
        Um dia um o encurralou 
        Ele do mato espirrou 
        E matou o seu cavalo. 
         
          

        78 
        Neste ano o Coronel, 
        Pedro Menezes Romão, 
        Mandou correr a notícia 
        Que tinha premiação, 
        De quatro contos em dinheiro, 
        Para o primeiro vaqueiro 
        Que pegasse o barbatão. 

        79 
        Nos seis meses anteriores 
        Foi o boato espalhado 
        No dia da festa veio 
        De tudo quanto era estado 
        Muito vaqueiro raçudo 
        Prá pegar o orelhudo 
        E deixa-lo assinalado. 

        80 
        Veio lá de Sergipe, 
        Mané de Néco, o inglês, 
        Da Bahia Zé das Brotas, 
        Da Alagoas Fernandez, 
        Que era filho de espanhol, 
        Com êle veio Zé do Anzol, 
        Do Ceará vieram três. 

        81 
        Eram irmãos estes três, 
        Todos homens de ação 
        Criados desde meninos 
        Na lida de barbatão, 
        Dominavam tais assuntos, 
        E os três estavam juntos 
        Derrubavam até o cão. 
         
          

        82 
        Veio da zona da mata, 
        Um cafuzo façanhudo 
        Chamado Tapuia Preto, 
        Desordeiro além de tudo, 
        Chegado numa cachaça 
        Fazedor de arruaça, 
        Afilhado do rabudo. 

        83 
        Tapuia Preto era dono 
        De força descomunal 
        Derrubar touro no braço 
        Para ele era normal, 
        Nos dois chifres segurava, 
        Sua cabeça entortava 
        E jogava o animal. 

        84 
        Lá do sul do Piauí 
        Vieram cinco vaqueiros 
        Todos eles afamados, 
        Pedro Dantas e Zé Vergueiros, 
        Zé Viúvo e Malaquêta, 
        Antonio Perna Zambeta 
        E também dois violeiros. 

        85 
        Estes o acompanham 
        De Araripina prá frente, 
        A companhia dos cinco, 
        Deixou-os muito contentes, 
        E a noite quando acampavam, 
        Eles aos outros alegravam 
        Improvisando repentes. 
         
          

        86 
        Na madrugada do dia 
        Da festa de apartar, 
        Coronel Pedro Romão 
        Mandou pegar e matar, 
        Dois bois gordos e seis varrascos, 
        Só para fazer churrascos 
        Para o povo se fartar. 

        87 
        E de tôda região 
        Não havia um só vaqueiro, 
        Que não se encontrasse lá 
        Só pensando no dinheiro, 
        Prá muitos o sonho era vão, 
        Pois pegar o barbatão 
        Só Deus querendo primeiro. 

        88 
        Cinqüenta e sete vaqueiros, 
        O Coronel conferiu, 
        Que formassem cinco bandos 
        O Coronel sugeriu, 
        De onze foram formando 
        Mas dois findaram sobrando, 
        Mala-Torta e João Chibiu. 

        89 
        Só então Aparecida 
        Resolveu se inscrever, 
        Porque deu muito trabalho 
        Para ao seu pai convencer, 
        Mais pôr fim ele deixou 
        E ela então se preparou 
        E veio pra concorrer. 
         
          

        90 
        Maria então sugeriu 
        Que cinco bandos formassem, 
        Com dez homens cada um, 
        E que aqueles que sobrassem, 
        Formassem de oito um bando, 
        Isto com ela contando, 
        E se os outros aceitassem. 

        91 
        Todo mundo concordou, 
        E ficaram prazenteiros, 
        A Aparecida tocou 
        De ficar pôr companheiros 
        João Chibiu e Mala – Torta 
        Azulão e Pedro Horta 
        Pedro Dantas e Zé Vergueiros. 

        92 
        Pôr um azar desgraçado 
        Tapuia Preto ficou 
        No bando de aparecida, 
        Foi o diabo que ajeitou, 
        E o cafuzo desordeiro 
        A tampa do tabaqueiro 
        Naquele dia encontrou. 

        93 
        Os seis bandos se espalharam 
        Querendo ao touro encontrar, 
        Não tinha como saber, 
        Onde poderia estar 
        Na caatinga o barbatão, 
        Varava todo o sertão 
        O jeito era procurar. 
         
          

        94 
        Aparecida e seus homens 
        Resolveram-se a partirem 
        Para um lugar diferente, 
        Dos que viram os outros irem, 
        No rumo da serra azul 
        Que se avistava ao sul, 
        Lugar bem longe, seguirem. 

        95 
        Galoparam duas horas 
        Chegaram em um tabuleiro, 
        O solo era pedregoso 
        Com muito mato rasteiro, 
        Pouca caatinga fechada, 
        Com quatro duplas formadas 
        Seguiram atrás do matreiro. 

        96 
        Três duplas eram formadas 
        Pôr antigos companheiros 
        Azulão com Pedro Horta, 
        Pedro Dantas e Zé Vergueiros 
        Mala – Torta e João Chibiu, 
        Aparecida se viu 
        Com o pior dos vaqueiros 

        97 
        O que sobrou para ela 
        Foi o cafuzo encrequeiro 
        Chamado Tapuia Preto 
        Cabra mal e desordeiro, 
        Que cheio de ambição, 
        Mataria até o cão 
        Pôr quatro contos em dinheiro. 
         
          

        98 
        Aparecida só tinha 
        Quinze anos afinal, 
        Mas era muito crescida, 
        Forte como um animal, 
        E cheia de ousadia 
        Certamente poderia 
        Se livrar de qualquer mal. 

        99 
        Ela não simpatizara, 
        Com o cafuzo desde que o vira, 
        Mas sem ter nenhum receio 
        Ao lado dele seguira 
        Nem pensava no dinheiro 
        Pôr espirito aventureiro 
        Na empreitada partira. 

        100 
        Seguindo sempre para o sul 
        Maria e seu companheiro 
        Galoparam até as onze 
        No centro do tabuleiro 
        Chegaram a um bebedouro 
        E viram os rastos de touro 
        Naquele local inteiro. 

        101 
        O rasto do bicho dava 
        Quase um palmo de tamanho, 
        E também eram profundos, 
        O que não seria estranho, 
        Para um touro bem criado, 
        Que mal fora desmamado 
        E o mato havia ganho. 
         
          

        102 
        Maria e Tapuia Preto 
        Começaram a rastrea-lo, 
        Era já quase uma hora 
        Quando lograram avista-lo, 
        E se convenceram ao vê-lo 
        Que era uma coisa querê-lo, 
        E outra coisa pega-lo. 

        103 
        Tinha o pêlo luzidio 
        O magnífico animal, 
        Teria um metro entre pontas, 
        E o corpo descomunal 
        Nove palmos na cernelha 
        E prá fazer-lhe parelha 
        Não achariam outro igual. 

        104 
        Seu corpo era malhado, 
        Mas a cara toda escura 
        Era ágil e musculoso, 
        Parecia força pura, 
        Seus chifres de acerados 
        Pareciam até limados; 
        A luta seria dura. 

        105 
        Sugeriu Tapuia Preto 
        Que os dois se separassem, 
        E fazendo um semicírculo, 
        Pelos dois lados o cercassem, 
        E para o vale o forçando, 
        Terminassem o encurralando, 
        E em o fazendo, o laçassem. 
         
          

        106 
        Mais o seu plano era outro, 
        Sua ambição incontida, 
        Tramava tanger o touro 
        No rumo de Aparecida, 
        Que tentaria barra-lo, 
        Mas perderia cavalo 
        E também a sua vida. 

        107 
        É que ele não sabia, 
        Com quem se estava metendo, 
        E que a moça de bigodes 
        Que alí estava vendo, 
        Até o diabo temia 
        Porque êle pressentia 
        Que acabaria perdendo. 

        108 
        Tal como planejou fez, 
        E o touro numa descida 
        Arremeteu de uma vez 
        Com uma fúria incontida, 
        Com os cascos trovejando, 
        Cabeça baixa e fungando 
        No rumo de Aparecida. 

        109 
        Aparecida saltou fora, 
        Ele pegou o cavalo 
        Cravou-lhes os chifres no flanco, 
        Quase chega a atravessa-lo, 
        Com força descomunal 
        Jogou longe o animal 
        Chegando a eviscera-lo 
         
          

        110 
        Aparecida rolara 
        Sobre o chão da capoeira, 
        O touro parou adiante 
        Numa nuvem de poeira, 
        Voltando-se para ataca-la 
        Sequioso de envia-la 
        À morada derradeira. 

        11 
        Tapuia Preto parara, 
        E de longe observava, 
        Na certeza que o touro 
        A Aparecida matava, 
        Só então se apressaria 
        E o capturaria 
        E a recompensa ganhava. 

        112 
        Aparecida porém 
        Não planejava morrer, 
        Em direção a clareira 
        Ela tratou de correr, 
        E parando de repente 
        Encarou êle de frente, 
        Pronta para o receber. 

        113 
        O touro escavou o chão, 
        Soltando um mugido rouco, 
        E partiu em disparada, 
        Pois de raiva estava louco, 
        Maria negaceou, 
        Ele raspando passou, 
        E ela escapou pôr pouco. 
         
         
          

        114 
        Fez a curva com dez metros, 
        E fez a nova investida, 
        Mas agora iria ver 
        Que Maria Aparecida 
        Não viera alí pra prosa, 
        E que era mais perigosa 
        Se lutava pela vida. 

        115 
        Novamente ela esquivou-se 
        Só que desta vez pulou 
        Agarrando no pescoço, 
        Com o braço esquerdo o enlaçou, 
        E o touro a foi levando 
        E ela o braço esticando 
        Pelo focinho o pegou. 

        116 
        Enfiou-lhe pelas ventas 
        O médio e o indicador, 
        Com o polegar na direita, 
        Sua enorme mão fechou, 
        Como uma torquez de aço, 
        Com a força do seu braço, 
        Sua cabeça entortou. 

        117 
        O enorme barbatão 
        Sai tombando de lado, 
        Caindo para a esquerda 
        Com um estrondo danado, 
        Quando o cafuzo isto viu 
        De repente pressentiu 
        Que seu plano dera errado. 
         
          

        118 
        Então mudando de tática 
        Resolveu ir ajudar 
        A Maria Aparecida, 
        Ao barbatão dominar, 
        E depois de domina-lo 
        Amarra-lo e encareta-lo 
        Ele mesmo a ia matar 

        119 
        Mal pensou, e assim fez, 
        E o bicho subjugaram, 
        Peiaram os pés bem peiados, 
        Depois o encaretaram , 
        Furaram as ventas do touro 
        E com um relho de couro 
        Pôr alí o amarram. 

        120 
        Fizeram como uma argola 
        Nas ventas do barbatão 
        Passaram um laço nos chifres, 
        E pôr dentro dela, e então, 
        Soltaram as peias dêle 
        E permitiram que êle 
        Se levantasse do chão. 

        121 
        Tapuia Preto ao ver 
        O touro já preparado, 
        Chegou-se a Aparecida 
        De um modo dissimulado, 
        E após ficar atras dela 
        Passou a gravata nela 
        E segurou apertado. 

        122 
        Com a direita sacou 
        A sua faca amolada, 
        Pensando em Aparecida, 
        Vê-la logo mergulhada, 
        Pois que pêga de surpresa, 
        Com sua garganta presa 
        Ela estava sufocada. 

        123 
        Nesta hora ele meteu 
        A faca para cravar 
        Mas Aparecida pode, 
        Sua munheca pegar 
        Deu-lhe um aperto tremendo 
        Que o cafuzo ficou gemendo 
        Mas não chegou a gritar. 

        124 
        Aparecida meteu 
        A mão direita pôr trás, 
        Pegou os bagos do cabra 
        Num aperto de tenaz, 
        Do berro que ele soltou 
        O touro se espantou 
        Que quase um estrago faz. 

        125 
        É que apesar de amarrado 
        No tronco de uma aroeira, 
        O touro da arrancada 
        Quase arranca a focinheira, 
        Porém o couro agüentou 
        E a dor que provocou 
        Segurou sua carreira. 
         
         
          

        126 
        Porém Aparecida 
        Deu um aperto colosso, 
        Na munheca do cafuzo 
        Que ouviu estalar o osso, 
        O cabra a faca largou 
        E o outro braço afroxou 
        O aperto do pescoço 

        127 
        Os testículos do cafuzo 
        A Maria esmigalhou, 
        E sem largar o seu braço 
        A Maria os liberou 
        E então virando de frente 
        Deu-lhe um tapa tão potente 
        Que o infeliz desmaiou. 

        128 
        Quando ele se acordou 
        Estava todo amarrado 
        Onde a Maria pegara 
        O seu braço estava inchado, 
        E pela dor que sentia 
        O cafuzo pressentia 
        Que o osso estava quebrado. 

        129 
        Os seus bagos de inchados 
        Chegavam a incomodar 
        As pernas do miserável 
        Não podiam nem fechar, 
        E para mais desgraça-los 
        Pôr não haver dois cavalos 
        Ele teria que andar. 
         
          

        130 
        Aparecida a cavalo 
        Levava o touro e o bandido, 
        Que a esta altura achava, 
        Que devia Ter morrido, 
        Pois alí sendo arrastado 
        Andando a passo forçado 
        Se sentia um desvalido. 

        131 
        As quatro e meia da tarde 
        Encontrou dois companheiros, 
        Que ouviram sua estória, 
        E ajudaram prazenteiros, 
        Um ficando para ajudar 
        E outro indo chamar 
        O restante dos vaqueiros 

        132 
        Eram dez horas da noite 
        Quando a fazenda chegaram 
        Como a lua estava cheia 
        No caminho não pararam, 
        Estavam todos cançados 
        Porém estavam animados 
        E a festa se integraram. 

        33 
        Colocaram o barbatão 
        Em um curral reforçado 
        Tiraram o laço dos chifres 
        O deixando encaretado 
        A multidão o cercava 
        E pôr isto êle se achava 
        Furioso e agitado. 
         
          

        134 
        A Maria Aparecida 
        Era o centro da atenção 
        Ela fora a heroína 
        Da grande competição 
        Entre homens decididos 
        Ela havia conseguido 
        Derrubar o barbatão. 

        135 
        E além de fazer isto 
        Ela havia escapado 
        Do plano ruim que o Tapuia 
        Para ela tinha armado, 
        Se não fosse tão valente 
        O cafuzo certamente 
        A teria assassinado. 

        136 
        O velho Manoel Vicente 
        Era só felicidade 
        Porque a filha querida 
        Escapara da maldade 
        Do criminoso malvado 
        Que esperara amarrado 
        Ser levado pra cidade 

        137 
        A noite passou depressa 
        Com forró e cantoria 
        Muita comida e bebida 
        Dançará e alegria 
        E a festa só acabou 
        Quando o sol se levantou 
        Clareando o novo dia. 
         
          

        138 
        Depois que o dia nasceu, 
        Todo mundo se chegou 
        Arrodeando o curral, 
        E o touro mais se agitou, 
        Com a cabeça abaixada 
        Ele fez uma arrancada 
        Deu no curral e o quebrou 

        139 
        Quando o touro se soltou 
        Foi a maior correria 
        O povo desesperado 
        Prá todo lado corria 
        E o touro foi de repente 
        Rumo ao Manoel Vicente 
        Que se achava com Maria. 

        140 
        Ele estava de carêta, 
        Só enxergava pros lados, 
        Mas com a força que seguia 
        Infelizes dos coitados 
        Que ficassem em sua frente 
        Porque estes fatalmente 
        Morreriam atropelados 

        141 
        Vendo o pai ameaçado 
        Sem ter como se livrar 
        De uma morte terrível 
        Só pensando em o salvar 
        Nem um momento hesitou 
        E frente a fera ficou 
        Para outra vez lutar. 
         
          

        142 
        Numa fração de segundo 
        Toda cena se passou 
        O touro com violência 
        Aparecida atacou 
        Com um brusco movimento 
        Naquele mesmo momento 
        O seu chifre ela agarrou, 

        143 
        A sua manopla esquerda 
        No chifre do boi cerrou 
        Fechou sua mão direita, 
        E um sôco desfechou, 
        No meio da testa do boi 
        E tão violento foi 
        Que o bicho se arriou. 

        144 
        Abriu as pernas e caiu 
        Com sua lingua arriada 
        Da boca escorrendo espuma 
        Inda deu uma cagada 
        Seus olhos se reviraram 
        Suas canelas esticaram 
        E deu uma estrebuchada. 

        145 
        Quando ela soltou-lhe o chifre, 
        Êle já era finado, 
        É que nas mãos de Maria 
        Nem chegara a dar um caldo, 
        Quem matou um touro assim 
        Segundo contou prá mim 
        Foi o Olindo Toaldo. 
          

        146 
        Com todas as testemunhas 
        Que viram o fato se dar, 
        A estória se espalhou 
        Pôr todo aquêle lugar 
        E a sua fama cresceu 
        Mas que ela mereceu 
        Nós não podemos negar 

        147 
        Pegou um conto e seiscentos 
        Repartiu com os companheiros 
        Seiscentos ela repartiu 
        Com Pedro Dantas e Vergueiros 
        Pois estes muito ajudaram 
        Pois foram os dois que chegaram 
        Antes dos outros vaqueiros. 

        148 
        O outro conto de réis 
        Ela em quatro repartiu 
        Dando um quarto a Azulão, 
        Outro quarto a João Chibiu, 
        Outro tanto a Mala-Torta 
        E o mesmo prá Pedro Horta, 
        Depois alegre sorriu. 
        149 
        Caros leitores e ouvintes 
        Hoje contei com alegria 
        Isto tudo feito em versos 
        Conforme achei que devia, 
        Os percalços e aventuras 
        150 
        As alegrias e venturas 
        Rimando como sabia 
        Infelizmente parei 
        Garanto inda escreverei 
        Outras histórias de Maria 



Boa Vista, RR. 
199 
  

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