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Soares Feitosa
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Página atualizada em 9.10.1999

 
Soares Feitosa
jpoesia@secrel.com.br


Homenagem a Cabral, 9.10.1999



        Tenho, nas costas, 35 anos de Receita Federal: pareceres, consideranda, isto posto, visto e relatado, permissa venia, etc. e tal. Não desgosto, e, hoje aposentado, é nas consideranda e na teimosia dos burocratas que complemento, no escritório dos meus filhos advogados, a latinha de leite do dia a dia.

        Um parecer sobre determinado regulamento, chamado PAF – Código do Processo Administrativo Fiscal, em que a tese era de que a lei de origem estaria revogada e, em assim sendo, aquele edifício que se erigia sobre a lei revogada não passaria de uma miragem. 

        A teoria da tocha olímpica: na pira dos deuses acendeu-se, um dia, o fogo inicial, uma antiga tocha, que vem sendo passada de mão em mão, sempre acesa, claro; de modo que aquele fogo ali em Atlanta, Cassius Marcellus Clay, trêmulo [Parkinson] como uma vara verde — para mim, um das pessoas que mais influiram neste século-milênio, não como desportista somente, ele mesmo, um negro semi-analfabeto, conhecido como Mohamad Ali — pois aquele fogo seria o mesmo fogo, grego, eterno. Assim, a orquestração das leis: impossível o hiato.

        Este texto, como se fosse uma homenagem a Cabral. 

        E é:

“
"[...]

"2.6                         Poder-se-ia alegar que, mesmo tendo desaparecido por conta do ADCT, o Decreto-lei nº 822/69, matriz legal do PAF, não haveria maior problema para o PAF, que subsistiria incólume, porque teria vindo a lume à época em que a respectiva matriz, o Decreto-lei 822/69, vigia plenamente. Sim, talvez o argumento possa parecer razoável. Entretanto, ressuscitar o PAF, mediante essa "ligação legal" de agora com a matriz legal de antanho, uma matriz inexistente porque derrogada, parece que seria algo meio absurdo. Claro que não poderia ser uma "ligação legal", porque ligação legal somente se daria entre uma "lei-legal" e uma outra "lei-legal", isto é, entre leis vigentes, ambas as leis vigentes! Impossível, no direito positivo, uma lei vigente comunicar-se com uma lei defunta. A crítica não é porque tentam estabelecer a "ligação" através de MP; não, ainda que fosse por Lei, não faria diferença alguma: é um vício de origem, a morte da lei que deveria estar embasando o edifício; só isto, a morte da lei primitiva. 

"2.7                         “Nada centelhará na outra ponta, porque na ponta da lei-morta o brilho será um mero registro histórico, interessante tão só aos folcloristas, aos historiadores e aos brasilianistas que muito se admiram da nossa rica "imaginação" legiferante.

"2.8                         “Se os mandatos se extinguem com a morte do mandante, no pressuposto de que o defunto não tem vontades nem despacha com procuradores, é razoável admitir que aquele "mandato legal" oriundo dos oficiais-generais de então, corporificado no Decreto-lei 822/69, extinguiu-se, o dito mandato, tão logo foi decretada a extinção do dito Decreto-lei 822/69. Quem já tentou ligar uma lâmpada elétrica num bocal ainda que fisicamente ligado por fiação à usina de força, mas a usina desligada, em prego ou manutenção? Por mais que torça! Assim o PAF, ele sobrenada no ar, sem o motor algum de origem, porque o motor lhe foi retirado — deve ser de pura magia que se mantém!

"2.9                         “Por isso, quando a MP 1.863-52/99 [e suas antecedentes numéricas] referem um Decreto-lei morto, há que se entender, permissa venia, como uma mera deferência de valor sentimental, um saudosismo, talvez uma metáfora. Porque, Meritíssimo, como ensina, multidisciplinarmente, o poeta, desculpem, o Poeta, com pê maiúsculo:
 

"Um galo sozinho não tece uma manhã: 
ele precisará sempre de outros galos. 

De um que apanhe esse grito que ele 
e o lance a outro; de um outro galo 
que apanhe o grito de um galo antes 
e o lance a outro; e de outros galos 
que com muitos outros galos se cruzem 
os fios de sol de seus gritos de galo, 
para que a manhã, desde uma teia tênue, 
se vá tecendo, entre todos os galos". 

 [João Cabral de Melo Neto,
            in Tecendo a Manhã"]

"2.10                         “O que dizer de um pobre galo-morto, aquele desinfeliz, o Decreto-lei nº 822/69, a quem o nosso Presidente invoca, como se numa solenidade espiritual — com todo o respeito — como boa literatura? Pobre Decreto-lei! Cum Christo est. Porque, Meritíssimo, o ordenamento jurídico é como se fosse uma aurora de galos, um lhe respondendo cada canto — e isto se chama comumente de hierarquia das leis, —  onde galos mortos não cantam a manhã nem acendem luz alguma.

[...]

Permissa venia, etc. e tal..."
***

           E a questão foi ganha.

***


Comentário do leitor:

Assunto: 
         um galo sozinho não tece...
    Data: 
         Thu, 14 Oct 1999 23:13:34 -0300
     De: 
         "Cesar Doria" <doria@cruiser.com.br>
    Para: 
         <jpoesia@secrel.com.br>
 

Boa noite,

 
Um poeta
não se chama João.
Nem Cabral.
Nem Melo.
Tampouco Neto.
Um poeta se chama por inteiro.
Bom ler-se, nestas horas de desarranjo social, algo como a homenagem ao Poeta.
Alguns ainda são lúcidos. 
Gostei. 

Cesar Doria



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