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Minha versão
Soares Feitosa
O
ferro de engomar como se fosse um galo de costas para a rua, em cima do parapeito da
janela, em pleno vento, cheio de brasas vermelhas: assim
eram as roupas do Coronel. Brancas, no máximo, cremes; beges como dizemos
atuais ou “modernas” como dizíamos antigos. De linho trêmulo, senão
de um brim de grossa trama. E muita goma,
numa tigela, uma vassourinha de malva e um paninho ligeiro para bruni-las
naquela calda clara. E então, as mulheres chiavam-lhe o ferro em brasa.
Galo poderoso! Quente e rijo. Pesado. E braços-fêmeos a tangê-los de
noite para uma manhã de missas. Tochas dos muitos ferros nas janelas
escuras, mas isto faz muito tempo porque hoje, por lá, tem luz de noite.
Dos postes.
Agora,
idos tantos chãos de matos e ruas, águas e pontes, chega-me o
poeta-pintor Hélio Rola e me traz os galos, as roupas do Coronel em sua
agenda
domingueira, os ferros, a noite, a tapioca, águias, leões,
rapinas, emplastros, mais outras roupas de caroá – in illo tempore
–; o que mais traz Hélio?
Ele,
o phantasma, protege o bolso principal, o do colete, bem em cima do hearth-heart,
mão direita pousada calma, mas vigorosa. Uma mão mansa, tênue, mas
vigorosa, terrível. Cordata, porém bojuda, de grandes saltos,
um peso-pesado, de vero mando. Como se fosse a mão radiosa do Clemente
e Misericordioso. Afagante; cruel, prontamente cruel, porém. Torah! Uma mão
do Livro. Direita. Do outro lado, a outra, esquerda, em pura garra. Qual
delas agarraria, a mão-calma, afagante, destra?, ou a de garras, flanco
de espinhos, sinistra? Nunca podemos confiar!
E
os emplastros. Minha mãe fazia emplastros de farinha. Era um angu, bem
quente. Rapidamente despejado num pano alvo. Ela (ou a madrinha) alisava-o
até o formato de uma fina chapa, não tão fina para não perder rápido
o calor; não tão grossa para poder espalhar em volta. Do pé, do braço
— algum aflito de Deus, luxo-luxado, ela parteira, farmacêutica,
naquele lugar. E o calor. Se fosse um caso grave, seriam muitas placas,
sobrepostas, dobrantes, aqueles cachorros chineses... ah, pele! Quente. O
café também quente.
Sim,
muito era rapina. As dores. O calor. A boca do ferro em perna de “s”,
andando de costas, mas isto faz tanto tempo que já não há ninguém dos
vivos para me contar, eu mesmo caí por cima de um, a curva do joelho, do
lado de dentro, depois os emplastros que então foram frios. Não, não
eram as plaquetas da roupa deste boneco. Eram as folhas da bananeira,
verdes, gélidas. Que também se faziam tapiocas naquelas folhas. E
queimados sobre. Despejados em cama. Abanados dia e noite em ais de
abrasume. A avó do poeta, assim me contou um deles, e se benzeu. Não,
ninguém se benzeu.
Claro
que ninguém tem cabeça nem
ali nem nunca! De que nos serviria a cabeça — a desvendar? Melhor
imaginar que no vazio do corte haja uma boca-de-pote. De mel-de-dedo. De
mel redondo. Era um vidro de Toddy, pronto para uma colher furtiva.
Tentacional. Um vidro-mulher, presumo. Também emplastaria aquele mel.
Melhor comê-lo puro, às mastigadas. E cimitarra. E elmo. Um ferro de
engomar de brasas é ver um elmo. Vermelhos.
Ah,
sim, as mulheres eram da raça Valério, dona Chica Valéra; também exímias
as Beato, Zefa e Toinha; a Sabão (que só dizíamo-la pelas costas); mas
era lá na casa de Chico Sabão, aliás, de dona Maria Miguel, esposa de
seu Francisco Miguel, naquele tempo, que melhor se emplastrava um gibão
de coronel, Honório, naquele tempo. Uma noite (e manhã) de frio, e todo o frio da serra, das
Matas — esta é a minha visão.
Soares
Feitosa
Fortaleza,
noite alta, 9.3.2002 |