Fernando Guedes


A Flor

Intercepção globular No ponto infinitamente repetido a existência cessa em cada instante. Aqui. No caule ou na folha, no golpe da enxada, em mim ou em ti, no lento mover da roda, no fruto, construí a cidade. Ceifaras no campo todo o dia e de noite vieste ao meu encontro. Entre o que foi e o que será alterou-se o número e a posição do movimento. Nas ruas desertas furtivos espreitam os velhos pelos óculos das portas. Viram-te chegar, sabem a cor dos teus olhos e vão dizer que és pura, quando for meio-dia, junto à porta grande da cidade. Não importa que sejas estrangeira — sou eu tua nação. Procurei-te entre as casas, na roda movente, entre os grãos de milho torturado; passei o bosque, o rio, adormecida te encontrei no espaço absoluto, no vazio sempre pronto a mais vazio, e, crescidos, teus cabelos eram um rebanho de cabras deixando a planície. Sete rosas marcam tua vida, dispostas em losangos, dois losangos: seis flores úmidas, uma de bondade, brancas, flores brancas. Quem te encontrar saberá que existe um corpo existindo na distância, fora de nós, para lá de Andrômeda, contemporâneo do passado, permanente na sucessão ilimitada e necessária, uniformemente transeunte.


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