Alberto Caeiro
 
XXVI - Às Vezes
 
 
     Às vezes, em dias de  luz perfeita e exata,
     Em que as cousas têm toda a realidade que podem ter,
     Pergunto a mim próprio devagar
     Por que sequer atribuo eu
     Beleza às cousas.

     Uma flor acaso tem beleza?
     Tem beleza acaso um fruto?
     Não: têm cor e forma
     E existência apenas.
     A beleza é o nome de qualquer cousa que não existe
     Que eu dou às cousas em troca do agrado que me dão.
     Não significa nada.
     Então por que digo eu das cousas: são belas?

     Sim, mesmo a mim, que vivo só de viver,
     Invisíveis, vêm ter comigo as mentiras dos homens
     Perante as cousas,
     Perante as cousas que simplesmente existem.

     Que difícil ser próprio e não ver senão o visível!

 
 
* * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * *