Deste modo ou daquele modo.
Conforme calha ou não calha.
Podendo às vezes dizer o que penso,
E outras vezes dizendo-o mal e com misturas,
Vou escrevendo os meus versos sem querer,
Como se escrever não fosse uma cousa
feita de gestos,
Como se escrever fosse uma cousa que me
acontecesse
Como dar-me o sol de fora.
Procuro dizer o que sinto
Sem pensar em que o sinto.
Procuro encostar as palavras à idéia
E não precisar dum corredor
Do pensamento para as palavras
Nem sempre consigo sentir o que sei que
devo sentir.
O meu pensamento só muito devagar
atravessa o rio a nado
Porque lhe pesa o fato que os homens o
fizeram usar.
Procuro despir-me do que aprendi,
Procuro esquecer-me do modo de lembrar
que me ensinaram,
E raspar a tinta com que me pintaram os
sentidos,
Desencaixotar as minhas emoções
verdadeiras,
Desembrulhar-me e ser eu, não Alberto
Caeiro,
Mas um animal humano que a Natureza produziu.
E assim escrevo, querendo sentir a Natureza,
nem sequer como um homem,
Mas como quem sente a Natureza, e mais
nada.
E assim escrevo, ora bem ora mal,
Ora acertando com o que quero dizer ora
errando,
Caindo aqui, levantando-me acolá,
Mas indo sempre no meu caminho como um
cego teimoso.
Ainda assim, sou alguém.
Sou o Descobridor da Natureza.
Sou o Argonauta das sensações
verdadeiras.
Trago ao Universo um novo Universo
Porque trago ao Universo ele-próprio.
Isto sinto e isto escrevo
Perfeitamente sabedor e sem que não
veja
Que são cinco horas do amanhecer
E que o sol, que ainda não mostrou
a cabeça
Por cima do muro do horizonte,
Ainda assim já se lhe vêem
as pontas dos dedos
Agarrando o cimo do muro
Do horizonte cheio de montes baixos. |