Ricardo Reis
Só o Ter
 
Só o ter flores pela vista fora 
Nas áleas largas dos jardins exatos
        Basta para podermos
        Achar a vida leve.

De todo o esforço seguremos quedas
As mãos, brincando, pra que nos não tome
        Do pulso, e nos arraste.
        E vivamos assim,

Buscando o mínimo de dor ou gozo,
Bebendo a goles os instantes frescos,
        Translúcidos como água
        Em taças detalhadas,

Da vida pálida levando apenas
As rosas breves, os sorrisos vagos, 
        E as rápidas carícias 
        Dos instantes volúveis.

Pouco tão pouco pesará nos braços
Com que, exilados das supernas luzes,
        ‘Scolherrnos do que fomos
        O melhor pra lembrar

Quando, acabados pelas Parcas, formos,
vultos solenes de repente antigos,
        E cada vez mais sombras,
        Ao encontro fatal

Do barco escuro no soturno rio,
E os nove abraços do horror estígio, 
        E o regaço insaciável
        Da pátria de Plutão.

 
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