Ricardo Reis
Sábio
 
Sábio é o que se contenta com o espetáculo do mundo, 
    E ao beber nem recorda 
    Que já bebeu na vida, 
    Para quem tudo é novo 
    E imarcescível sempre.

Coroem-no pâmpanos, ou heras, ou rosas volúteis, 
    Ele sabe que a vida 
    Passa por ele e tanto 
    Corta à flor como a ele 
    De Átropos a tesoura. 

Mas ele sabe fazer que a cor do vinho esconda isto, 
    Que o seu sabor orgíaco 
    Apague o gosto às horas, 
    Como a uma voz chorando 
    O passar das bacantes. 

E ele espera, contente quase e bebedor tranqüilo, 
    E apenas desejando 
    Num desejo mal tido 
    Que a abominável onda 
    O não molhe tão cedo. 
 
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