Ricardo Reis 
Vós que, Crentes
 
Vós que, crentes em Cristos e Marias, 
Turvais da minha fonte as claras águas 
Só para me dizerdes
Que há águas de outra espécie 

Banhando prados com melhores horas 
Dessas outras regiões pra que falar-me 
Se estas águas e prados 
São de aqui e me agradam? 

Esta realidade os deuses deram 
E para bem real a deram externa. 
Que serão os meus sonhos 
Mais que a obra dos deuses? 

Deixai-me a Realidade do momento 
E os meus deuses tranqüilos e imediatos 
Que não moram no Vago 
Mas nos campos e rios. 

Deixai-me a vida ir-se pagãmente 
Acompanhada pelas avenas tênues 
Com que os juncos das margens 
Se confessam de Pã. 

Vivei nos vossos sonhos e deixai-me 
O altar imortal onde é meu culto 
E a visível presença 
os meus próximos deuses. 

Inúteis procos do melhor que a vida, 
Deixai a vida aos crentes mais antigos 
Que a Cristo e a sua cruz 
E Maria chorando. 

Ceres, dona dos campos, me console 
E Apolo e Vênus, e Urano antigo 
E os trovões, com o interesse 
De irem da mão de Jove. 

 
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