Fernando Pessoa
 
Eros e Psique
 
...E assim vêdes, meu Irmão, que as verdades
que vos foram dadas no Grau de Neófito, e
aquelas que vos foram dadas no Grau de Adepto
Menor, são, ainda que opostas, a mesma verdade. 

                     (Do Ritual Do Grau De Mestre Do Átrio 
                        Na Ordem Templária De Portugal) 

Conta a lenda que dormia 
Uma Princesa encantada 
A quem só despertaria 
Um Infante, que viria 
De além do muro da estrada.  

Ele tinha que, tentado, 
Vencer o mal e o bem, 
Antes que, já libertado, 
Deixasse o caminho errado 
Por o que à Princesa vem.  

A Princesa Adormecida, 
Se espera, dormindo espera, 
Sonha em morte a sua vida, 
E orna-lhe a fronte esquecida, 
Verde, uma grinalda de hera.  

Longe o Infante, esforçado, 
Sem saber que intuito tem, 
Rompe o caminho fadado, 
Ele dela é ignorado, 
Ela para ele é ninguém.  

Mas cada um cumpre o Destino 
Ela dormindo encantada, 
Ele buscando-a sem tino 
Pelo processo divino 
Que faz existir a estrada.  

E, se bem que seja obscuro 
Tudo pela estrada fora, 
E falso, ele vem seguro, 
E vencendo estrada e muro, 
Chega onde em sono ela mora,  

E, inda tonto do que houvera, 
À cabeça, em maresia, 
Ergue a mão, e encontra hera, 
E vê que ele mesmo era 
A Princesa que dormia.  
 

* * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * *
 Publicado pela primeira vez in Presença, n.os 41-42, Coimbra, maio de 1934. Acerca da epígrafe
que encabeça este poema diz o próprio autor a uma interrogação levantada pelo crítico A. Casais
Monteiro, em carta a este último:

          A citação, epígrafe ao meu poema "Eros e Psique", de um trecho (traduzido,
     pois o Ritual é em latim) do Ritual do Terceiro Grau da Ordem Templária de
     Portugal, indica simplesmente - o que é fato - que me foi permitido folhear os Rituais
     dos três primeiros graus dessa Ordem, extinta, ou em dormência desde cerca de
     1888. Se não estivesse em dormência, eu não citaria o trecho do Ritual, pois se não
     devem citar (indicando a origem) trechos de Rituais que estão em trabalho [In VO/II.]