Fernando Pessoa
 De quem é o olhar
 
De quem é o olhar
Que espreita por meus olhos ?
Quando penso que vejo, 
Quem continua vendo
Enquanto estou pensando ?
Por que caminhos seguem,
Não os meus tristes passos,
Mas a realidade 
De eu ter passos comigo ?

Às vezes, na penumbra 
Do meu quarto, quando eu
Por mim próprio mesmo
Em alma mal existo,

Toma um outro sentido
Em mim o Universo -
É uma nódoa esbatida
De eu ser consciente sobre
Minha idéia das coisas.

Se acenderem as velas
E não houver apenas
A vaga luz de fora   -
Não sei que candeeiro
Aceso onde na rua   -
Terei foscos desejos
De nunca haver mais nada
No Universo e na Vida
De que o obscuro momento
Que é minha vida agora!

Um momento afluente
Dum rio sempre a ir
Esquecer-se de ser,
Espaço misterioso
Entre espaços desertos
Cujo sentido é nulo
E sem ser nada a nada.
E assim a hora passa
Metafisicamente.
 

 
Remetente : Arcileia