AMAMOS sempre no que temos 
 O que não temos quando amamos. 
 O barco pára, largo os remos 
 E, um a outro, as mãos nos damos. 
 A quem dou as mãos? 
 À Outra. 
Teus beijos são de mel de boca, 
 São os que sempre pensei dar,  
 E agora e minha boca toca 
 A boca que eu sonhei beijar. 
 De quem é a boca? 
 Da Outra. 
  Os remos já caíram na água, 
 O barco faz o que a água quer. 
 Meus braços vingam minha mágoa 
 No abraço que enfim podem ter. 
 Quem abraço? 
 A Outra. 
 Bem sei, és bela, és quem desejei... 
 Não deixe a vida que eu deseje 
 Mais que o que pode ser teu beijo 
 E poder ser eu que te beije. 
 Beijo, e em quem penso? 
 Na Outra. 
 Os remos vão perdidos já, 
 O barco vai não sei para onde. 
 Que fresco o teu sorriso está, 
 Ah, meu amor, e o que ele esconde! 
 Que é do sorriso 
 Da Outra? 
  Ah, talvez, mortos ambos nós, 
 Num outro rio sem lugar 
 Em outro barco outra vez sós 
 Possamos nos recomeçar 
 Que talvez sejas 
 A Outra. 
 Mas não, nem onde essa paisagem 
 É sob eterna luz eterna 
 Te acharei mais que alguém na viagem 
 Que amei com ansiedade terna 
 Por ser parecida  
 Com a Outra. 
 Ah, por ora, idos remo e rumo,  
 Dá-me as mãos, a boca, o ter ser. 
 Façamos desta hora um resumo 
 Do que não poderemos ter. 
 Nesta hora, a  única, 
 Sê a Outra.  
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