Fernando Pessoa

Amiel
 
NÃO, NEM NO SONHO a perfeição sonhada 
Existe, pois que é sonho.  Ó Natureza, 
Tão monotonamente renovada, 
Que cura dás a esta tristeza? 
O esquecimento temporário, a estrada 
Por engano tomada, 
O meditar na ponte na incerteza... 

Inúteis dias que consumo lentos 
No esforço de pensar na ação, 
Sozinho com meus frios pensamentos 
Nem com uma 'sperança mão em mão. 

É talvez nobre ao coração 
Este vazio ser que anseia o mundo, 
Este prolixo ser que anseia em vão, 
Exânime e profundo 

Tanta grandeza que em si mesma é morta! 
Tanta nobreza inútil de ânsia e dor! 
Nem se ergue a mão para a fechada porta, 
Nem o submisso olhar para o amor.  
 

 Remetente : Angela Campanha
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