Frederico Barbosa
O ar fresco da
experimentação
A poesia de Gabriela Marcondes não me
veio pelos livros. Afinal, esta é sua estréia. Conheci os seus
textos pela Internet. A partir do final dos anos 1990, a “rede”
tornou-se a mais revolucionária forma de divulgação de poesia no
mundo, transformando-se no melhor meio de vencer a barreira do
desprezo das editoras, da implicância das livrarias e da rasura da
grande imprensa.
Através da Internet eu travei contato
com alguns dos poetas que hoje considero mais significativos no
país: Micheliny Verunschk, então morando em Arcoverde, PE, Lau
Siqueira, gaúcho radicado em João Pessoa, Greta Benitez, curitibana,
e Valéria Tarelho, de São José dos Campos. Depois de lê-los,
tornaram-se meus amigos de carne e osso.
Com Gabriela Marcondes só a primeira
parte ocorreu até agora. Jamais a vi. Não sei como sorri. Só a
conheço através de seus textos. Esta é, creio, uma vantagem enorme
da Internet. Antes de travarmos conhecimento com a pessoa,
conhecemos seus textos. Isto, sem publicação em livro, era
impossível antes do advento da rede. Só conhecíamos inéditos quando
entrávamos em contato diretamente com o autor. O que poderia
influenciar nosso julgamento. Agora não. Antes da pessoa vem o
texto.
E os textos de Gabriela Marcondes me
chegaram como pequenas porradas poéticas, diretos de esquerda no meu
queixo, já tão calejado e um tanto cansado das duas vertentes
poéticas que me parecem predominantes no Brasil contemporâneo: a
poesia bem comportada, bonitinha mas ordinária, dos neoparnasianos
arcaizantes, que se dedicam a criar requintes postiços e defender o
retrocesso; ou a gratuidade retratista ingênua e simplista dos
neodrummondianos redutores.
Ou seja, os poemas de Gabriela são
janelas se abrindo para deixar entrar o ar fresco da experimentação,
da pesquisa com a poesia de todas as formas possíveis. Nada mais
instigante se considerarmos o crescente conservadorismo da sociedade
e da literatura brasileira de hoje. Os poetas que procuram
experimentar, inventar algo sempre renovado, são considerados
passadistas que não sabem que o “make it new” poundiano morreu...
Quem matou? O mesmo conservadorismo que transformou até o sonho
político de transformações da nossa sociedade em um enorme pesadelo
de corrupção e mesmice.
Os poemas visuais de Gabriela são
impressionantes. Revelam uma busca incessante de novas relações
entre os significantes e os seus respectivos significados. Trata-se
de uma poesia em que se percebem articulações formais,
condensamentos lingüísticos, descobertas originais e que pode,
assim, conquistar um público leitor que ainda tem que ser
alfabetizado para o poético, para o jogo lúdico das formas. A
aproximação do sinal de exclamação a uma lágrima de ponta cabeça
guarda todo o sabor da descoberta e do ludismo infantil e revela um
aspecto inusitado da linguagem. Já a descoberta da palavra ADEUS
camuflada sob a palavra SaUdADE é daqueles achados poéticos que,
exatamente por serem aparentemente tão óbvios, ficarão para sempre
incrustados na nossa língua.
Por sua vez, os seus textos “em
verso”, no “inverso” do livro, mostram um poder de síntese
extraordinário para traduzir epifanias das mais diversas que pipocam
ao sentir atento na cidade grande. Observe-se o poema “Ipanema”:
“Ipanema arde / o ópio das cores / o óbvio de uma tarde / além do
mar / eu rio / em pleno janeiro / posso tudo / se nem / cinema / se
vem / poema. Ou o haicai moderno de “Dobradura”: “Sentimento origami
/ Marco, dobro, e pronto / Caio fora do tatame.”
A poesia de Gabriela Marcondes, sempre
inventiva e atenta, lúdica e brilhante, surge, assim, como um sopro
de ar fresco e experimental no ambiente cada dia mais conservador em
que vivemos, poética e existencialmente. Viva Gabriela, cujos poemas
mostram que ainda é possível sonhar com o dia em que a invenção
vencerá o medo.
Leia Gabriela
Marcondes
|