Flávio
Moura
moura@jt.com.br
Flávio Moura, do Jornal
da Tarde,
entrevista o fundador do Jornal
de Poesia,
Soares Feitosa, sobre a
POESIA NA REDE MUNDIAL
Moura
- Há quanto tempo o senhor mantém este jornal de poesia?
Feitosa - Foi fundado no
dia 13.06.1996. Resultou de eu ter constatado, quando comecei a navegar
na Internet, que à época nada existia na WWW em português.
Ninguém sabia de Castro Alves, nem de Camões, nem de Gonçalves
Dias. Aliás de Gonçalves Dias havia alguma coisa, mas era
a página do Banco do Brasil, uma filial no Maranhão, cidade
do mesmo nome... Imediatamente surgiu o Jornal de Poesia, cuja intenção
era, digamos, fazer uns 100 poetas. Hoje temos ali mais de 2.000 e todos
os dias aumenta um pouco. Só a lusofonia, só o Português,
falo isto me levanto desta cadeira – ao redor do Mundo, nós, os
lusos e suas gentes. Apoio? De ninguém, a não ser uns gatos
pingados, raros, anônimos e amigos. Valem a banda do mundo. Se quiser
saber um pouco mais sobre a fundação do Jornal de Poesia,
veja o Manifesto.
Moura
- O site é bastante visitado?
Feitosa - Sim, muito. Recebo
uma média diária de 50 cartas eletrônicas, que eu mesmo
respondo, de todos os recantos do planeta. Você nem imagina o monte
de lusos-brasis-angolas e quejandos espalhados nesse mundão de Deus.
No Canadá temos uma bela colónia lusófona, sempre
muito presente no JP. Acentuei colônia com agudo em homenagem a eles.
A vantagem da Internet é ter acabado com a hegemonia da corte: basta
que esteja na Internet, tanto faz ser em São Paulo, em New York,
como em Santa Maria da Boa Vista, Caruaru, Canindé, ou Fortaleza.
A Internet não tem fronteiras e isto é ótimo.
Moura
- Como o senhor definiria poesia virtual?
Feitosa - O senhor conseguiu
me assustar com esta pergunta, porque nunca pensei que existisse a tal
poesia virtual, mas vejo agora que existe. Este poema, o “Nunca
direi que te amo”, até o momento não foi publicado em
papel e tinta em canto algum. Todavia, está fazendo um sucesso estrondoso
ao redor do mundo. Já recebi um monte de comentários, de
todos os quadrantes. Tenho certeza de que repercute muito mais do que se
estivesse num livro, desses livros que não circulam. Ontem, uma
poeta me passou um email dizendo-se desesperada com 1.200 exemplares que
mandou imprimir e não tinha como distribuir. Disse a ela que procurasse
uma lista de padres, de gerentes de banco, de juízes, de professores
de química... Temos que sair desse círculo vicioso de mandar
livros só para os poetas. A maioria nem lê. E quando lê,
sai zombando. Ontem visitei um amigo que estava num hospital. Estou pensando
em fundar “bibliotecas móveis” nos hospitais — aí está
idéia... a turma lendo o Paulo Coelho, qual é o problema
que seja o Paulo Coelho ou o almanaque do Jeca Tatu? Voltando ao tema da
pergunta: a poesia virtual existe, sim, dou-me conta que existe. Tenho
até um poeminha, “À
vista de ti”, feito para uma pessoa que nunca vi pintada..., nem quero
ver.
Moura
- Que diferenças o senhor destacaria entre esse formato e a poesia
tradicional, impressa?
Feitosa - Não deve
haver diferença quanto ao conteúdo poético em si.
A poesia subsiste pelo texto, tão só por ele. Daí
porque entendo que o concretismo poderia ter sido válido apenas
como um recurso de ênfase, algo como usar um papel de qualidade,
uma impressora com tinteiros novos, etc., mas o texto em letras “times
new roman” é que faz a poesia. É inegável que
os efeitos visuais, no computador, são ilimitados, mas isto jamais
implicará em transformar a má poesia em produto de qualidade.
Se o texto é bom, ainda que escrito num papel de embrulho, de carvão
ou caneta, continuará sendo bom. Acho válido, mas não
essencial que seja bonito de ver na tela. Mas se tiver muito enfeite, muito
salamaleque, prejudicará, com certeza. O Navio
Negreiro é poema até debaixo d'água. No Jornal
de Poesia tem umas correntes, dá um efeito visual fantástico,
mas não é fundamental. Fundamental, sim, é o gênio
do “Menino”; porque aquilo ele escutou diretamente da boca de Deus, apenas
teve o trabalho de copiar; tal qual Beethoven também escutou o 3º
movimento da 9ª Sinfonia. Eu disse o "terceiro movimento". O autor
é Ele, não eles.
Moura
- Que novas possibilidades de sentidos, significados, enfim, que novas
relações léxicas, sintáticas e semânticas
podem-se criar a partir desse formato?
Feitosa - Acho o efeito
visual valioso, mas o texto há de subsistir. Sem texto e contexto
não há poesia. Talvez haja pintura, escultura, [que podem
e devem ser plenas de poeticidade]; mas poesia, não; ela tem que
ter um texto em letras. Esse foi o engano dos concretos imaginar que bastava
escrever umas letras tortas. Não existe poesia concreta; existe
efeito de ênfase, pelo enfeite gráfico, ao poema. Só
isto. O resto, me desculpem, é pura enganação. Botem
um concretista para recitar um poema concreto...
Moura
- Quem são os principais poetas, com obras de qualidade, do gênero?
Os critérios para avaliar a qualidade de um poema eletrônico
podem ser os mesmos dos empregados para avaliar a poesia impressa?
Feitosa - Certamente são
os mesmos. O grande “leitor” de poesia se chama ouvido médio, e
não o “olho”. Lê-se alguma coisa com olho, sim; alguns poetas
recepcionam bem com o olhar apenas – leia-se João Cabral; outros,
poucos, perdem o olhar e continuam produtivos e bons leitores. Leia-se,
deste último grupo, JLB que, cego, via mais e melhor do que quando
enxergava. O órgão dos sentidos para ler o poema, para mim,
é o ouvido. Há que ler, sim com os olhos, nem precisa mexer
com os lábios, mas os sons respectivos da palavra-escrita deverão
estar estalando na caixa auditivo-emocional do leitor. Penso assim. Procuro
"ler com o ouvido"..., a não ser que não seja poesia.
Moura
- Em que medida o formato se adequa à concepção de
poesia iniciada por Mallarmé e fagocitada, transformada e difundida
pelos nossos concretistas?
Feitosa - Uma grande “bobajéu”.
É o que penso dos que imaginam que o poema é figura e figuração.
Com todo o respeito, permissa venia, não é, nunca
foi, jamais será.
Moura
- O senhor acha que o desenvolvimento desse tipo de linguagem (e da literatura
eletrônica em geral) compromete o futuro do formato livro? (sei que
a discussão é um tanto estéril e acaciana, mas há
que se perguntar...)
Feitosa - Acho não.
O livro jamais perecerá. Veja, no meu caso que tenho outra atividade
profissional: — consultoria tributária — eu vejo as novidades na
Internet, mando imprimir o parecer em papel, boto o papel debaixo do braço,
leio, releio e anoto. Imprimo todos os artigos que me interessam, mas não
deixarei de comprar todos os livros editados pelo mestre Hugo de Brito
Machado e outras sumidades. Já recebi cartas de vários leitores
dizendo que compraram o livro de Pessoa depois que leram um poema dele
no Jornal de Poesia. Uma das cartas que mais me comoveram foi a de um engenheiro
que dizia jamais ter lido algo de poesia depois daquelas obrigatórias
do vestibular. Caíra na bobagem de abrir o Jornal de Poesia, um
poema de Bandeira, e me contava que havia comprado as Obras Completas de
Bandeira... A Aguilar me deve a comissão... Claro que é mesmo
assombrar, a Internet funcionando como a grande vitrine para o livro, detonando,
como no caso do engenheiro, a necessidade de comprar o livro. Quanto aos
jovens, o senhor nem me imagina a quantidade deles perguntando coisas,
fazendo pesquisas. Sempre os encaminho às bibliotecas, aos livros
de papel e tinta do Massaud Moisés, etc., etc. É um detonador,
uma espoleta, de grande valia, essa tal de Internet, arauto do livro, isto
sim. Vai aumentar a vendagem, com certeza. Estamos revivendo um novo Iluminismo.
Aguarde uns 10 anos... depois me diga.
Moura
- Que técnica é preciso saber para criar poesias animadas
no computador?
Feitosa - Acho isto, dos
saltitantes, uma grande bobagem. Ou o poema tem vida própria — o
seu equivalente em papel e tinta — ou melhor montar um circo de cavalinhos.
Moura
- Como criar um site de poesia eletrônica?
Feitosa - Basta usar qualquer
navegador do mercado. Utilizo para o JP o Composer, da Netscape, mas os
outros são muito bons. No Jornal de Poesia dou preferência
absoluta ao texto, nada de muito salamaleque porque apenas retarda a navegação.
As linhas telefônicas ainda são muito ruins e congestionadas.
Em conseqüência, se tiver muita figura, a página fica
lenta. Nem sei como esses jovenzinhos conseguem “puxar” a imagem inteira
de uma dessas boazuadas da Playboy. Primeiro surgem os cabelos, o rosto
da mulher vem, mas é demorado, e aquelas coisas boas, ah, como tardam...
não sei como eles agüentam tanto... certamente fazem grandes
treinamentos contra a “præcox-ejucalatio”.
Moura
- O senhor conhece sites interessantes sobre o tema (inclusive sobre teoria
literária)? Quais?
Feitosa - Sou meio arrogante
em relação ao Jornal de Poesia. Ele foi criado em face da
absoluta orfandade da língua portuguesa na Internet. Hoje, em qualquer
língua, não há nada, em volume, parecido com o JP.
Por isto digo: se não está no JP é porque não
existe... Um tirano já disse igual em relação ao Alcorão,
e mandou queimar a Biblioteca de Alexandria. Mas é meio tragicamente
verdadeiro: “Veja o JP, lá tem; e se não tem, paciência,
é porque não tem!”
Moura
- Há alguma outra consideração a respeito que o senhor
gostaria de tecer?
Feitosa - Tenho certeza
de que Jornal de Poesia é uma idéia “muito-mais-maior” do
que as minhas forças.
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Jornal de Poesia
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