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Soares Feitosa
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Página atualizada em 8.11.1999

 
Flávio Moura
moura@jt.com.br

Flávio Moura, do Jornal da Tarde, 
entrevista o fundador do Jornal de Poesia
Soares Feitosa, sobre a 
POESIA NA REDE MUNDIAL


 

Moura - Há quanto tempo o senhor mantém este jornal de poesia? 
Feitosa - Foi fundado no dia 13.06.1996. Resultou de eu ter constatado, quando comecei a navegar na Internet, que à época nada existia na WWW em português. Ninguém sabia de Castro Alves, nem de Camões, nem de Gonçalves Dias. Aliás de Gonçalves Dias havia alguma coisa, mas era a página do Banco do Brasil, uma filial no Maranhão, cidade do mesmo nome... Imediatamente surgiu o Jornal de Poesia, cuja intenção era, digamos, fazer uns 100 poetas. Hoje temos ali mais de 2.000 e todos os dias aumenta um pouco. Só a lusofonia, só o Português, falo isto me levanto desta cadeira – ao redor do Mundo, nós, os lusos e suas gentes. Apoio? De ninguém, a não ser uns gatos pingados, raros, anônimos e amigos. Valem a banda do mundo. Se quiser saber um pouco mais sobre a fundação do Jornal de Poesia, veja o Manifesto

Moura - O site é bastante visitado? 
Feitosa - Sim, muito. Recebo uma média diária de 50 cartas eletrônicas, que eu mesmo respondo, de todos os recantos do planeta. Você nem imagina o monte de lusos-brasis-angolas e quejandos espalhados nesse mundão de Deus. No Canadá temos uma bela colónia lusófona, sempre muito presente no JP. Acentuei colônia com agudo em homenagem a eles. A vantagem da Internet é ter acabado com a hegemonia da corte: basta que esteja na Internet, tanto faz ser em São Paulo, em New York, como em Santa Maria da Boa Vista, Caruaru, Canindé, ou Fortaleza. A Internet não tem fronteiras e isto é ótimo. 

Moura - Como o senhor definiria poesia virtual? 
Feitosa - O senhor conseguiu me assustar com esta pergunta, porque nunca pensei que existisse a tal poesia virtual, mas vejo agora que existe. Este poema, o “Nunca direi que te amo”, até o momento não foi publicado em papel e tinta em canto algum. Todavia, está fazendo um sucesso estrondoso ao redor do mundo. Já recebi um monte de comentários, de todos os quadrantes. Tenho certeza de que repercute muito mais do que se estivesse num livro, desses livros que não circulam. Ontem, uma poeta me passou um email dizendo-se desesperada com 1.200 exemplares que mandou imprimir e não tinha como distribuir. Disse a ela que procurasse uma lista de padres, de gerentes de banco, de juízes, de professores de química... Temos que sair desse círculo vicioso de mandar livros só para os poetas. A maioria nem lê. E quando lê, sai zombando. Ontem visitei um amigo que estava num hospital. Estou pensando em fundar “bibliotecas móveis” nos hospitais — aí está idéia... a turma lendo o Paulo Coelho, qual é o problema que seja o Paulo Coelho ou o almanaque do Jeca Tatu? Voltando ao tema da pergunta: a poesia virtual existe, sim, dou-me conta que existe. Tenho até um poeminha, “À vista de ti”, feito para uma pessoa que nunca vi pintada..., nem quero ver. 
 

Moura - Que diferenças o senhor destacaria entre esse formato e a poesia tradicional, impressa? 
Feitosa - Não deve haver diferença quanto ao conteúdo poético em si. A poesia subsiste pelo texto, tão só por ele. Daí porque entendo que o concretismo poderia ter sido válido apenas como um recurso de ênfase, algo como usar um papel de  qualidade, uma impressora com tinteiros novos, etc., mas o texto em letras “times new roman”  é que faz a poesia. É inegável que os efeitos visuais, no computador, são ilimitados, mas isto jamais implicará em transformar a má poesia em produto de qualidade. Se o texto é bom, ainda que escrito num papel de embrulho, de carvão ou caneta, continuará sendo bom. Acho válido, mas não essencial que seja bonito de ver na tela. Mas se tiver muito enfeite, muito salamaleque, prejudicará, com certeza. O Navio Negreiro é poema até debaixo d'água. No Jornal de Poesia tem umas correntes, dá um efeito visual fantástico, mas não é fundamental. Fundamental, sim, é o gênio do “Menino”; porque aquilo ele escutou diretamente da boca de Deus, apenas teve o trabalho de copiar; tal qual Beethoven também escutou o 3º movimento da 9ª Sinfonia. Eu disse o "terceiro movimento". O autor é Ele, não eles. 

Moura - Que novas possibilidades de sentidos, significados, enfim, que novas relações léxicas, sintáticas e semânticas podem-se criar a partir desse formato? 
Feitosa - Acho o efeito visual valioso, mas o texto há de subsistir. Sem texto e contexto não há poesia. Talvez haja pintura, escultura, [que podem e devem ser plenas de poeticidade]; mas poesia, não; ela tem que ter um texto em letras. Esse foi o engano dos concretos imaginar que bastava escrever umas letras tortas. Não existe poesia concreta; existe efeito de ênfase, pelo enfeite gráfico, ao poema. Só isto. O resto, me desculpem, é pura enganação. Botem um concretista para recitar um poema concreto... 

Moura - Quem são os principais poetas, com obras de qualidade, do gênero? Os critérios para avaliar a qualidade de um poema eletrônico podem ser os mesmos dos empregados para avaliar a poesia impressa? 
Feitosa - Certamente são os mesmos. O grande “leitor” de poesia se chama ouvido médio, e não o “olho”. Lê-se alguma coisa com olho, sim; alguns poetas recepcionam bem com o olhar apenas – leia-se João Cabral; outros, poucos, perdem o olhar e continuam produtivos e bons leitores. Leia-se, deste último grupo, JLB que, cego, via mais e melhor do que quando enxergava. O órgão dos sentidos para ler o poema, para mim, é o ouvido. Há que ler, sim com os olhos, nem precisa mexer com os lábios, mas os sons respectivos da palavra-escrita deverão estar estalando na caixa auditivo-emocional do leitor. Penso assim. Procuro "ler com o ouvido"..., a não ser que não seja poesia. 

Moura - Em que medida o formato se adequa à concepção de poesia iniciada por Mallarmé e fagocitada, transformada e difundida pelos nossos concretistas? 
Feitosa - Uma grande “bobajéu”. É o que penso dos que imaginam que o poema é figura e figuração. Com todo o respeito, permissa venia, não é, nunca foi, jamais será. 

Moura - O senhor acha que o desenvolvimento desse tipo de linguagem (e da literatura eletrônica em geral) compromete o futuro do formato livro? (sei que a discussão é um tanto estéril e acaciana, mas há que se perguntar...) 
Feitosa - Acho não. O livro jamais perecerá. Veja, no meu caso que tenho outra atividade profissional: — consultoria tributária — eu vejo as novidades na Internet, mando imprimir o parecer em papel, boto o papel debaixo do braço, leio, releio e anoto. Imprimo todos os artigos que me interessam, mas não deixarei de comprar todos os livros editados pelo mestre Hugo de Brito Machado e outras sumidades. Já recebi cartas de vários leitores dizendo que compraram o livro de Pessoa depois que leram um poema dele no Jornal de Poesia. Uma das cartas que mais me comoveram foi a de um engenheiro que dizia jamais ter lido algo de poesia depois daquelas obrigatórias do vestibular. Caíra na bobagem de abrir o Jornal de Poesia, um poema de Bandeira, e me contava que havia comprado as Obras Completas de Bandeira... A Aguilar me deve a comissão... Claro que é mesmo assombrar, a Internet funcionando como a grande vitrine para o livro, detonando, como no caso do engenheiro, a necessidade de comprar o livro. Quanto aos jovens, o senhor nem me imagina a quantidade deles perguntando coisas, fazendo pesquisas. Sempre os encaminho às bibliotecas, aos livros de papel e tinta do Massaud Moisés, etc., etc. É um detonador, uma espoleta, de grande valia, essa tal de Internet, arauto do livro, isto sim. Vai aumentar a vendagem, com certeza. Estamos revivendo um novo Iluminismo. Aguarde uns 10 anos... depois me diga. 

Moura - Que técnica é preciso saber para criar poesias animadas no computador? 
Feitosa - Acho isto, dos saltitantes, uma grande bobagem. Ou o poema tem vida própria — o seu equivalente em papel e tinta —  ou melhor montar um circo de cavalinhos. 

Moura - Como criar um site de poesia eletrônica? 
Feitosa - Basta usar qualquer navegador do mercado. Utilizo para o JP o Composer, da Netscape, mas os outros são muito bons. No Jornal de Poesia dou preferência absoluta ao texto, nada de muito salamaleque porque apenas retarda a navegação. As linhas telefônicas ainda são muito ruins e congestionadas. Em conseqüência, se tiver muita figura, a página fica lenta. Nem sei como esses jovenzinhos conseguem “puxar” a imagem inteira de uma dessas boazuadas da Playboy. Primeiro surgem os cabelos, o rosto da mulher vem, mas é demorado, e aquelas coisas boas, ah, como tardam... não sei como eles agüentam tanto... certamente fazem grandes treinamentos contra a “præcox-ejucalatio”. 

Moura - O senhor conhece sites interessantes sobre o tema (inclusive sobre teoria literária)? Quais? 
Feitosa - Sou meio arrogante em relação ao Jornal de Poesia. Ele foi criado em face da absoluta orfandade da língua portuguesa na Internet. Hoje, em qualquer língua, não há nada, em volume, parecido com o JP. Por isto digo: se não está no JP é porque não existe... Um tirano já disse igual em relação ao Alcorão, e mandou queimar a Biblioteca de Alexandria.  Mas é meio tragicamente verdadeiro: “Veja o JP, lá tem; e se não tem, paciência, é porque não tem!” 

Moura - Há alguma outra consideração a respeito que o senhor gostaria de tecer?
Feitosa - Tenho certeza de que Jornal de Poesia é uma idéia “muito-mais-maior” do que as minhas forças. 




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