Gregório de Matos


Liras

Oh não te espantes não, notomia, Que se atreva a Bahia Com oprimida voz, com plectro esquio Cantar ao mundo teu rico feitio, Que é já velho em Poetas elegantes O cair em torpezas semelhantes. Da Pulga acho, que Ovídio tem escrito, Lucano do Mosquito, Das Rãs Homero, e destes não desprezo, Que escreveram matérias de mais peso Do que eu, que canto cousa mais delgada Mais chata, mais sutil, mais esmagada. Quando desembarcaste da fragata, Meu Dom Braço de Prata, Cuidei, que a esta cidade tonta, e fátua Mandava a Inquisição alguma estátua Vendo tão espremida salvajola Visão de palha sobre um Mariola. O rosto de azarcão afogueado, E em partes mal untado, Tão cheio o corpanzil de godolhões, Que o julguei por um saco de melões; Vi-te o braço pendente da garganta, E nunca prata vi com liga tanta. O bigode fanado feito ao ferro Está ali num desterro, E cada pelo em solidão tão rara, Que parece ermitão de sua cara: Da cabeleira pois afirmam cegos, Que a mandaste comprar no arco dos pregos. Olhos cagões, que cagam sempre à porta, Me tem esta alma torta, Principalmente vendo-lhe as vidraças No grosseiro caixilho das couraças: Cangalhas, que formaram luminosas Sobre arcos de pipa duas ventosas. De muito cego, e não de malquerer A ninguém podes ver; Tão cego és, que não vês teu prejuízo Sendo cousa, que se olha com juízo: Tu és mais cego, que eu, que te sussurro, Que em te olhando, não vejo mais que um burro. Chato o nariz de cocras sempre posto: Te cobre todo o rosto, De gatinhas buscando algum jazigo Adonde o desconheçam por embigo: Até que se esconde, onde mal o vejo Por fugir do fedor do teu bocejo. Faz-lhe mal vizinhança a tua boca, Que com razão não pouca O nariz se recolhe para o centro Mudado para os baixos lá de dentro: Surge-lhe outra vez, e vendo a bafarada Lhe fica a ponta um dia ali engasgada. Pernas e pés defendem tua cara: Balha-te; e quem cuidara, Tomando-te a medida das cavernas Se movesse tal corpo com tais pernas! Cuidei, que eras rocim das alpujarrras, E já frisão te digo pelas garras. Um casaquim trazia sobre o couro, Qual odre, a quem o Touro Uma, e outra cornada deu traidora, E lhe deitou de todo o vento fora; Tal vinha o teu vestido de enrugado, Que o tive por um odre esfuracado. O que te vir a ser todo rabadilha Dirá, que te perfilha Uma quaresma (chato percevejo) Por Arenque de fumo, ou por Badejo: Sem carne, e osso, quem há ali, que creia, Senão que és descendente de Lampreia. Livre-te Deus de um Sapateiro, ou Sastre, Que te temo um desastre, E é, que por sovela, ou por agulha Arme sobre levar-te alguma bulha: Porque depositando-te à justiça Será num agulheiro ou em cortiça. Na esquerda mão trazias a bengala ou or força, ou por gala: No sovaco por vezes a metias, Só para fazer enfim descortesias, Tirando ao povo, quando te destapas, Entonces o chapéu, agora as capas. Fundia-se a cidade em carcajadas, Vendo as duas entradas, Que fizeste do Mar a Santo Inácio, E depois do colégio a teu palácio: O Rabo erguido em cortesias mudas, Como quem pelo cu tomava ajudas. Ao teu palácio te acolheste, e logo Casa armaste de jogo, Ordenando as merendas por tal jeito, Que a cada jogador cabe um confeito: Dos Tafuis um confeito era um bocado, Sendo tu pela cara o enforcado. Depois deste em fazer tanta parvoíce, Que inda que o povo risse Ao princípio, cresceu depois a tanto, Que chegou a chorar com triste pranto: Chora-te o nu de um roubador de falso, E vendo-te eu direito, me descalço. Xinga-te o negro, o branco te pragueja, E a ti nada te aleija, E por teu sensabor, e pouca graça És fábula do lar, riso da praça, Té que a bala, que o braço te levara, Venha segunda vez a levar-te a cara.


* * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * *