Gregório de Matos


Coplas

Não sei, para que é nascer neste Brasil empestado um homem branco, e honrado sem outra raça. Terra tão grosseira, e crassa, que a ninguém se tem respeito, salvo quem mostra algum jeito de ser Mulato. Aqui o cão arranha o gato, não por ser mais valentão, mas porque sempre a um cão outros acodem. Os Brancos aqui não podem mais que sofrer, e calar, e se um negro vão matar, chovem despesas. Não lhe valem as defesas do atrevimento de um cão, porque acode a Relação sempre faminta. Logo a fazenda, e a quinta vai com tudo o mais à praça, onde se vende de graça, ou fiado. Que aguardas, homem honrado, vendo tantas sem-razões, que não vás para as nações de Berberia, Porque lá se te faria com essa barbaridade mais razão, e mais verdade, que aqui fazem. Porque esperas, que te engranzem, e esgotem os cabedais, os que tens por naturais, sendo estrangeiros! Ao cheiro dos teus dinheiros vêm como cabedal tão fraco, que tudo cabe num saco, que anda às costas. Os pés são duas lagostas de andar montes, passar vaus, as mãos são dois bacalhaus já bem ardidos. Sendo dous anos corridos, na loja estão recostados mais doces, enfidalgados, que os mesmos Godos. A mim me faltam apodos, com que apodar estes tais maganos de três canais até a ponta. Há outros de pior conta, que entre esses, e entre aqueles vêem cheios de PP, e LL atrás do ombro. De nada disso me assombro pois bota aqui o Senhor outros de marca maior gualde, e tostada. Perguntai à gente honrada, por que causa se desterra; diz que tem, quem lá na terra lhe queima o sangue. Vem viver ao pé de um mangue, e já vos veda o mangal, porque tem mais cabedal, que Porto Rico. Se algum vem de agudo bico, lá vão prendê-lo ao sertão, e ei-lo bugio em grilhão entre os galfarros. A terra é para os bizarros, que vêm na sua terrinha com mais gorda camisinha, que um traquete. Que me dizeis do clerguete, que mandaram degradado por dar o óleo sagrado à sua Puta. E a velhaca dissoluta destra de todo o artifício fez co óleo um malefício ao mesmo Zote. Folgo de ver tanto asnote, que com seus risonhos lábios andam zombando dos sábios e entendidos. E porque são aplaudidos de outros de sua facção, se fazem co'a discrição como com terra. E dizendo ferra ferra, quando vão a por o pé, conhecem, que em boa fé são uns asninhos. Porque com quatro ditinhos de conceitos estudados não podem ser graduados nas ciências. Então suas negligências os vão conhecendo ali, porque de si para si ninguém se engana. Mas em vindo outra semana, já caem no pecado velho, e presumem dar conselho a um Catão. Aqui frisava o Frisão, que foi o Heresiarca, porque mais da sua alparca o aprenderam. As Mulatas me esqueceram, a quem com veneração darei o meu beliscão pelo amoroso. Geralmente é mui custoso o conchego das Mulatas, que se foram mais baratas, não há mais Flandes. Aos que presumem de grandes, porque têm casa, e são forras têm, e chamam de cachorras às mais do trato. Angelinha do Sapato, valeria um pino de Ouro, porém tem o cagadouro muito baixo. Traz o amigo cabisbaixo com muitas aleivosias, sendo, que às Ave-Marias lhe fecha a porta. Mas isso porém que importa se ao fechar se põe já nua, e sobre o plantar na rua ainda a veste. Fica dentro, quem a investe, e o de fora suspirando lhe grita de quando em quando ora isto basta. Há gente de tão má casta, e de tão ruim catadura, que até esta cornadura bebe, e verte. Todos Agrela converte, porque se com tão ruim puta a alma há de ser dissoluta, antes mui Santa. Quem encontra ossada tanta nos beiços de uma caveira, vai fugindo de carreira, e a Deus busca. Em uma cova se ofusca, como eu estou ofuscado, chorando o magro pecado, que fiz com ela. É mui semelhante a Agrela a Mingota dos Negreiros, que me mamou os dinheiros, e pôs-me à orça. A Mangá com ser de alcorça dá-se a um Pardo vaganau, que a cunha do mesmo pau melhor atocha. À Mariana da Rocha, por outro nome a Pelica, nenhum homem já dedica a sua prata. Não há no Brasil Mulata que valha um recado só. Mas Joana Picaró O Brasil todo. Se em gostos não me acomodo das mais, não haja disputa, cada um gabe a sua puta, e haja sossego. Porque eu calo o meu emprego e o fiz com toda atenção, porque tal veneração se lhe devia. Fica-te em boa, Bahia, que eu me vou por esse mundo cortando pelo mar fundo numa barquinha. Porque inda que és pátria minha, sou segundo Cipião, que com dobrada razão a minha idéia te diz "non possedebis ossa mea".


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