Concretismo
Poesia redescoberta
Trabalho realizado pela equipe
de Redação do Caderno Mais!
Folha de São Paulo, 08.12.96
O pesquisador alemão Claus Clüver
passou todo o ano de 1996 dando aulas na pós-graduação do
departamento de teoria literária e literatura comparada da USP.
Casado com uma brasileira e há muitos anos professor de literatura
comparada da Universidade de Indiana, nos EUA, a poesia concreta é
uma de suas especialidades.
Na entrevista a seguir ele fala das
origens do movimento e de sua presença em outros países. (AS)
Folha — Como surge o concretismo?
Claus Clüver — A poesia concreta começou -seria melhor dizer,
recomeçou- na Europa, após a Segunda Guerra Mundial. Digo recomeçou
porque muitas das coisas experimentais feitas entre as duas guerras
foram completamente esquecidas ou destruídas. É impossível saber ao
certo como e em que medida as pessoas que começaram a fazer poesia
concreta tiveram contato com o que pudesse ter sido feito antes. A
redescoberta começou em vários lugares.
A poesia concreta já pode ser percebida, por exemplo, em Üyvind
Fahlstrüm, que realmente nos deu a primeira versão de um manifesto,
em 1953, mas era uma poesia um pouco barroca, sem a rigidez da
poesia concreta que conhecemos. O termo ``poesia concreta'' já havia
sido usado pelo poeta e pintor Jean Arp, em relação à poesia de
Kandinsky (``klänge'', de 1912).
Havia, simultaneamente, na Suécia, Áustria, Alemanha e França, entre
outros países, tendências na direção da poesia concreta, sem que uns
soubessem o que os outros estavam fazendo.
Folha — Quem foi o primeiro a escrever poesia
concreta?
Clüver — Talvez o primeiro tenha sido Eugen Gomringer, um
suíço-boliviano que era o secretário de Max Bill na escola de artes
plásticas de Ulm. Gomringer já tinha trabalhado na Suíça com
pintores da linha de Max Bill, que, desde os anos 30, chamava sua
pintura de pintura concreta. Esta pintura tem muitos traços que
podemos transpor para a poesia concreta. A convivência com Bill e
sua própria inclinação pessoal tiveram como resultado poemas muito
curtos, às vezes de uma palavra só.
Folha — E os brasileiros?
Clüver — Os brasileiros não foram os primeiros por uma mínima
diferença de tempo. Começam em São Paulo, por conta própria, após
descobrirem Ezra Pound. Aí decidem fazer um trabalho de
``inventores''. Nesse momento, eles falavam do poema como ideograma,
seguindo Pound.
Há também o papel desempenhado por Max Bill, já que ele ganhou o
grande prêmio internacional de escultura na primeira Bienal de SP
(1951). Pouco antes já havia acontecido em São Paulo uma
retrospectiva dele. Ou seja, ele tinha uma enorme influência nos
anos 50. Isso também é válido para a música. Pierre Boulez, que
esteve há pouco no Brasil, havia visitado São Paulo no início dos
anos 50. Aliás, se eu tivesse que citar um modelo para a poesia
concreta brasileira, diria que é musical — é a música de Webern.
Nela estão todas as características, transplantadas, obviamente,
para a música.
Folha — Como o concretismo se desenvolveu fora
do Brasil?
Clüver — Várias tendências se desenvolveram em muitos países, na
França, Inglaterra, Escócia -Ian Hamilton Finlay, por exemplo, além
de escrever nessa linha, também publicou uma série de pequenas
edições com poesias de vários países e, assim, transformou-se em um
importante mediador. É fundamental também o papel da poeta
norte-americana Mary Ellen Solt, que publicou, em 1968, a mais rica
antologia internacioal da poesia concreta.
Nos anos 60, a poesia concreta é praticada também em Portugal, na
Turquia, na Tchecoslováquia, entre outros países.
Folha — E na Alemanha?
Clüver - Na Alemanha, com Gomringer e outros poetas, ela teve
certamente um grande desenvolvimento. São poetas que não ocupam uma
posição marginal, têm um status estabelecido. Esse status não pode,
porém, ser comparado com a posição e influência dos irmãos Campos e
de Décio Pignatari no Brasil. Não apenas pela qualidade da produção
poética, mas também pela importância do desenvolvimento de uma
teoria que não tem equivalente em qualquer outro país, bem como pelo
atuação no campo da tradução e pelo papel didático que exerceram ao
introduzir nos jornais informação sobre a criação poética, musical e
visual do mundo inteiro.
Mas, voltando à Alemanha, é lá, também, o local em que há a maior
produção textos críticos sobre a poesia concreta. Atualmente, nós
estamos conscientes de uma tradição européia. Começa a existir um
trabalho de busca de fontes européias da poesia visual, que, na
verdade, não é só visual. É uma tradição tão rica quanto muitas
outras tradições poéticas, mas teve sempre o problema de estar
situada entre duas disciplinas: a literatura e as artes plásticas.
Folha — O concretismo é estudado nos EUA?
Clüver — Muitas pessoas conhecem a poesia concreta, mas,
infelizmente, como se percebe pelos glossários e dicionários que vêm
surgindo, a compreensão é muito superficial. Há, porém, alguns
trabalhos importantes, mas dentro dos círculos acadêmicos. Não sei
de um trabalho descritivo, histórico-crítico, sobre a poesia
concreta em termos internacionais.
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