PERFIL | Dados pessoais: Nasceu em Nova York em 11 de julho de1930. Formou-se em Cornell (1951) e fez Ph.D. em Yale (1955), onde dá aulas desde 1955 A trajetória: Autor de ensaios que renovaram os estudos literários, o principal deles é Angústia da Influência, de 1973 Livros: 27, o primeiro publicado em 1959
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Harold Bloom é o crítico literário mais popular do mundo. Em 2000, fez furor ao publicar, no The Wall Street Journal,
um ensaio em que condenava os livros com o personagem Harry Potter, da inglesa
J.K. Rowling. No Brasil, acaba de sair a primeira parte da coletânea Contos e Poemas para Crianças Extremamente Inteligentes (Objetiva, 142 páginas, R$ 21,90). Nela, Bloom coleciona um elenco de textos que considera fundamentais. Seu novo livro, Gênio – Um Mosaico de Cem Mentes Exemplares e Criativas,
lançado em 2001, terá edição brasileira em maio. Em quase 1.000 páginas,
a obra busca nomes de gênios literários. Bloom falou a ÉPOCA por telefone,
de New Haven, Connecticut, onde se recupera de uma operação e prepara dois
livros: um sobre o personagem Hamlet e outro sobre o cânone da crítica –
do qual ele já faz parte, mas não se inclui. ÉPOCA – Como o senhor analisa o sucesso da literatura infantil atual? Harold Bloom
– É um fenômeno de mercado. A maior parte dos livros para crianças à venda
nas livrarias é idiota, não serve para nada, muito menos para suprir a necessidade
de leitura de uma criança ou do leitor de qualquer faixa etária. Livros estão
sendo confeccionados para vender e se tornar sucessos no cinema e na televisão.
Isso nada mais é que uma máscara que oculta o rosto cada vez mais estúpido
da era da informação. Os tais livros infantis ajudam a destruir a cultura
literária. ÉPOCA – Sua opinião mudou em relação à série Harry Potter? Bloom – Odeio Harry Potter.
É bruxaria barata reduzida a aventura. É prejudicial ao leitor. Não tem densidade.
A escrita é horrível. Lancei a polêmica, sabendo que eu atuaria como Hamlet,
que defronta com um oceano de aborrecimentos. Continuo me incomodando com
os fãs do pequeno feiticeiro. ÉPOCA – Existe solução para incentivar a leitura entre os jovens? Bloom
– Não vejo diferença entre literatura adulta e infantil. Existe, sim, uma
diferença essencial entre boa e má literatura. A solução está na boa leitura,
em todas as idades. A primeira idéia da coletânea que organizei era criar
um compêndio de boa leitura, que se intitularia O Leitor Solitário.
Aos poucos, me dei conta de que estava fazendo um livro para jovens, com
poemas e histórias simples, sem prejuízo da qualidade. Percebi então que
poetas como John Keats e John Donne poderiam servir para alimentar a imaginação
da juventude, assim como os contos de C.K. Chesterton e Robert Louis Stevenson. ÉPOCA – Mas por que existe essa separação entre literatura para pequenos e grandes? Bloom
– Diferenciar livros para crianças e para adultos foi útil na divisão do
mercado do século passado, mas hoje encobre um fato muito grave: o de que
a estupidez está acabando com a cultura literária. As crianças de hoje não
são mais burras que as de antigamente. O problema está em vencer modismos
e chamar a atenção para bons exemplos literários. Talvez a queda dos índices
de leitura se deva aos maus exemplos que os pais estão dando a seus filhos. ÉPOCA – Há uma continuidade entre seus três trabalhos – Angústia da Influência (1973), O Cânone Ocidental (1994) e o recente Gênio? Bloom
– Tenho escrito um só livro, que continua no próximo volume. Talvez por isso
eu desagrade aos colegas de universidade. Nunca termino e eles ficam irritados.
Minha obra começou com a preocupação de distinguir os poetas fortes dos fracos.
Os fortes fundam uma série e brigam entre si. Os fracos são descartados pela
história. A literatura não passa de uma luta entre fracos e fortes. A crítica,
como gênero literário, envolve batalhas entre bons e maus. Tracei em Angústia da Influência
uma genealogia de poetas fortes. A cultura politicamente correta e as feministas
detestaram o livro, alegando que eu privilegiava autores mortos, brancos
e ocidentais. Dos anos 70 para cá, os valores da cultura literária estão
se diluindo e maus autores passam a virar importantes quando não são. Por
isso resolvi estabelecer um cânone, uma lista de obras fundamentais. Gênio
consiste em um mosaico de referência pessoais. Para mim, a leitura é um gesto
particular. Minha função como crítico literário é oferecer um conhecimento
menos teórico do que prático da literatura. Meu objetivo é levar as pessoas
a ler.
ÉPOCA – Como recuperar o conceito de genialidade em tempos tão céticos como os de hoje? Bloom
– A noção de gênio está fora de moda há muito tempo na universidade, desde
meados do século XIX. Os intelectuais a desprezam, por ser um resquício do
espiritualismo romântico. Estou tentando restaurar uma idéia arraigada na
história do Ocidente há milênios. No livro, tratei de buscar a genealogia
dos gênios em todos os tempos e todos os lugares. Resultou no maior volume
que já produzi em minha vida, com cerca de 1.000 páginas. E foi mal recebido
nos Estados Unidos. Há um preconceito dos intelectuais americanos em relação
à genialidade. O que vale aqui é a cultura 'do homem comum'. Genialidade
é algo antipático para a cidadania americana. Gênio é uma palavra com duplo
sentido e vem dos gregos, fundamentando nossa tradição cultural. Tanto designa
uma família de escritores talentosos ao longo da História, ligados por características
semelhantes, como indica o daemon, a entidade divina da inspiração que todos
carregamos dentro de nós. É um conteúdo sagrado que não podemos ignorar de
forma alguma, mesmo que os acadêmicos insistam que ele não existe. ÉPOCA – Quem são os grandes gênios da literatura? Bloom
– Escritores como Shakespeare, Dante, Cervantes e Milton não têm rival na
história literária. São escritores tão fortes que suas obras e personagens
alteraram os rumos da história literária futura. Continuamos vivendo sob
seu impacto. Eles são dotados de poderes literários extraordinários. Chamá-los
de gênios, portanto, é fazer-lhes justiça. ÉPOCA –
O senhor costuma dizer: 'Shakespeare lê você de um modo muito mais completo
do que você pode lê-lo'. Isso não é subestimar a capacidade do leitor? Bloom
– Não. O que quero dizer é que a leitura de um gênio como Shakespeare proporciona
diversos registros. O iluminista Samuel Johnson, um de meus críticos favoritos,
dizia que o leitor comum pode aproveitar Shakespeare a seu modo, no estágio
intelectual em que se encontra. A leitura que ele fizer de uma peça como
Hamlet terá sido válida se ele tirar proveito dela. Os grandes gênios
são espelhos nos quais os leitores se miram e acabam encontrando a si próprios. ÉPOCA – O que define um gênio? Bloom
– É o autor capaz de mudar a História. Aliás, não acredito em História. Para
mim, só existem biografias. As obras literárias não podem ser consideradas
apenas como meras manchas nas páginas do tempo. Em tal corrente de biografias
estendidas através da linha cronológica, existe uma família de iluminados
que compartilham características como naturalidade, intensidade, exuberância
e loucura. Gênios são aqueles que não se submetem às leis de seus predecessores. ÉPOCA – O senhor inclui autores orientais em Gênio? Bloom
– Tentei ampliar o cânone incluindo agora também Oriente, Norte e Sul. Selecionei
100 autores geniais contra os 26 que havia escolhido para O Cânone Ocidental.
Na nova lista está, por exemplo, a escritora japonesa Murasaki Shikibu (973-1025).
Ela guarda um ar de família com Jane Austen quando escreve histórias sobre
o desprezo amoroso. Também incluí a Bíblia e o Alcorão.
Nestes tempos em que as religiões orientais são satanizadas, acho fundamental
chamar a atenção para a qualidade literária de Maomé. O Alcorão é um dos mais belos poemas que
conheço. As tradições se mesclam. A Bíblia, que foi escrita por muitos autores, e o Alcorão fazem parte de uma tradição comum, o cânone mundial. ÉPOCA – O senhor cita Fernando Pessoa entre os grandes escritores no Cânone Ocidental. Agora inclui Machado de Assis. Por que ele é gênio? Bloom
– Leio em português com certa fluência. Gosto muito de José Saramago, somos
bons amigos, embora eu não concorde com a posição dele em relação à guerra
contra o terrorismo. Ele é comunista, respeito as idéias dele, mas não concordo.
É um bom escritor. Em poesia, a língua portuguesa legou Camões e Fernando
Pessoa. Na ficção, adoro Eça de Queirós e Machado de Assis. Considero Machado
o maior gênio da literatura brasileira do século XIX. Ele reúne os pré-requisitos
da genialidade: exuberância, concisão e uma visão irônica ímpar do mundo.
Procuro um grande poeta brasileiro vivo. Ainda não o encontrei. Conheço Carlos
Drummond de Andrade e ouvi falar de Guimarães Rosa, que adoraria ler. Não
sei se terei tempo. |