Henrique Castriciano

Quando Nasceu
 
 
A Minha filha, como agora, eu penso,  
Era, quando nasceu,  
Um anjo de olhos cor do mar, suspenso  
De um sonho cor do céu.  

Hoje um mês completou. Lírios se abriam,  
Aos raios da manhã,  
E, abrindo as folhas, trêmulos, diziam:  
Nasceu-nos uma irmã.  

Movendo os negros cílios delicados,  
De miragens tão nus,  
Ela sentiu os olhos magoados  
Por um raio de luz.  

Então, chorou. Um prófugo vagido  
Do seio lhe saiu,  
Tão leve como o ar, mais tênue que o gemido  
Que um sorriso partiu ...  

Por que será que a lágrima primeiro  
Brilha nos olhos castos da criança,  
Antes que o riso, místico e fagueiro,  
Venha tecer-lhe um nimbo de esperança ?  
   
Por que a dor nesta penumbra santa  
Do poema da vida, no universo,  
É a primeira estrofe que se canta  
E sempre, e sempre ... o derradeiro verso?  

Na gaze envolta de infinita mágoa,  
Na solidão do luto e da saudade,  
Dir-se-ia a terra, pobre gota de água  
A boiar ... a boiar ... na imensidade!  

De minha filha a lágrima bendita  
Está no céu ... ai! quando quero vê-la,  
Contemplo o azul da abobada infinita,  
E vejo-a transformada numa estrela.  

Porque-bem sei que Deus recolhe o pranto  
Da criancinha escrava do martírio:  
Guarda-o depois, em cofres de amianto,  
Mudado em astro ou transformado em lírio.  

Se esta verdade uma mentira fosse,  
Nossa Senhora não viria à terra,  
Trazer, num beijo cristalino e doce,  
Toda a inocência que a criança encerra.  

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Que seria, do céu, loiro e divino,  
Sempre queimado pela luz do sol ?  
Basta a mãozinha branca de um menino  
Para extinguir o incêndio do arrebol !

 
 
Remetente: Walter Cid

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Página atualizada por  Alisson de Castro,  Jornal de Poesia,  28  de  Julho  de  1998