Henrique Castriciano

Batismo
 
 
Como é mimosa ! Batizou-se agora ... 
Porém da igreja, veio tão zangada ! 
Velha criança, o padre quase chora: 
Que raiva teve da pequena aurora 
Aquela noite quase terminada ! 

O calendário em casa procurou-se, 
Havendo logo imensa balbúrdia: 
— Júlia ! que nome tão formoso e doce ! 
— Mas eu queria que o seu nome fosse ... 
— Há de chamar-se, quero eu, Maria ... 

Porém o espinho da discórdia irada 
Uma velhinha, carinhosa, arranca: 
Diz a vovó, chegando-se, alquebrada, 
Saboreando, em gozo, uma pitada: 
“ Achava bom que se chamasse Branca ” 
  

E teve um riso, uma carícia teve, 
Branca, mais branca do que o nome branco ... 
Tal como, outrora, a sua mão susteve. 
O meu corpinho alvinitente e leve, 
Foi a netinha conchegando ao flanco ... 

Sentiu-se alegre, qual do céu viesse ... 
Beijou-lhe os olhos de luar diluído ... 
Palmeira antiga, transformada em prece ! 
Toda de branco, como se tivesse 
Rosas nascendo no seu seio ungido ... 

Seguimos todos para a igreja, rindo, 
Seguimos todos para a Igreja, então: 
Festivo, o bronze, num anseio infindo, 
Salmos cantava, deslumbrante, lindo, 
E palpitava como um coração ! 

O que dirá o solitário sino ? 
— As andorinhas negras perguntavam, 
Afadigadas, sob o céu divino —
Vem batizar-se algum irmão menino? 
E mil perguntas destas se cruzavam. 
 

Depois, ouvindo o desolado choro, 
De minha Branca, tão franzina e pobre, 
Compadecidas d’este anjinho louro, 
O altar cercaram, em piedoso coro, 
Como o incenso que o sacrário cobre ... 

Asas morenas, pelo sol tostadas, 
Flocos de espuma, de cinzenta cor, 
Flores da terra para o céu aladas, 
As andorinhas sobem, dispersadas, 
Mas descem presas pela mesma dor. 

Como eu vos quero, ó pássaros suaves ! 
Como vos amo ! Neste coruchéu, 
Nestas antigas e tristonhas naves, 
Vós sois crianças transformadas n’aves, 
Vós sois crianças que subis ao céu ! 

Quando da espera nas douradas gazas, 
Passais, em busca de ideais tesouros, 
Dizem as nuvens, sob um sol de brasas: 
São almas, ternas, que sustêm nas asas 
As almas louras dos meninos louros!

 
 
Remetente: Walter Cid

[ ÍNDICE DO AUTOR ][ PÁGINA PRINCIPAL ]
 
 
 
 
Página atualizada por  Alisson de Castro,  Jornal de Poesia,  28  de  Julho  de  1998