Hernâni Cidade


À Pertubadora

Olho-te muita vez tão fixamente, com tal desejo a crepitar no olhar, que ficas a pensar, vaidosa e crente: — Mais duas lâmpadas no meu altar… Vê lá, porém, não te envaideça a ideia que nestes olhos — lâmpadas votivas — arda o álcool subtil que em nós ateia paixões candentes como chamas vivas… Eu sou romeiro de mais duma santa e a todos presto um culto assim — banal. Se não encontro — a ventura é tanta! — mais que fragmentos do meu santo Graal!… De alguém eu amo a santidade calma e os gestos brandos e pacificantes… E, envolta em seu olhar, minha alma veste alma túnica em rituais distantes… Há outra — inacessível Peregrina! — em que adoro a perfeição sonhada, fê-la o Senhor numa hora sossegada, sem descuido ou tremor na mão divina… Mas em ti amo a graça acidulada por uma gota de cinismo ingénuo; muito mais perturbante e desejada que o vinho mais alcoólico do Reno! E amo-te a boca… Irregular gomil. Quando abre em riso, sente-se evolar não sei que odor de sensação subtil… (Fermenta nela os beijos que hás-de dar?…) E a graça dos teus olhos oequeninos! São duas frestas dum "hyaly" do Oriente, onde a tua alma — uma sultana ardente — às vezes surge, a fulminar destinos! Mas o que mais me turba é o mistério da tua carne em febre de desejo, e, assim, a arder, radiando em halo etéreo, como se a Virgem lhe aflorasse um beijo… Eis quanto eu amo em ti. É muito?… É pouco?… Paixão… não creio. Isto é — bem podes ver, de menos, p’ra seguir-te como louco, mas demais p’ra te olhar sem estremecer! (in Antologia de poetas Alentejanos)


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