Hildeberto Abreu Magalhães
Vice-Verso
I
Não canso nunca de dizer (a mim mesmo!)
que a tua sanidade é a medida
da minha loucura e vice-versa,
que vice eu o sofrimento teu, sentindo
alegria? E meu verso transparente
opaculasse tua com versa? Não meço,
não me despeço, porque prefiro ficar.
Não aqui, vem comigo, voar longe do abrigo,
rimar perante abismos transponíveis:
perante deve ser per, antes mesmo de
chegar a algum lugar, que não aqui.
Não agora, deixa pra agora o amor e o vagar,
deixa ficar solto que mais preso sentiu.
O agora eu não vi passar,
foi-se já? O vice-momento.
Antes já era quase, quase ninguém sabe...
Continuo sentindo o coração bater, e
como os primatas, tenho ânsia de voz
em minha boca amarga, sabe-me o enjôo
do grito entranhado; eu sinto, sinto
muito; não me é dado saber antes do
que eu estou sentindo, saber só depois
de agora, do vice-verso.
Do tempo congelado na imagem, do âmbito
pouco convencional do estado primordial,
do drama banal do instante completa-
mente perdido.
Ai! de mim que me é dado sentir antes
de saber, depois,
que sentir é, que ver foi,
que toco sempre em estar com tigo.
II
Desprezo-me por ti, não me magoes, pois
já magôo-me, não sofras por uma unha
quebrada na junta da porta (ai!), não
temas a tua morte, sê forte; se morrer
antes é pior, quero o pior para mim.
Por quê querer manter a dormência?
Antes um prazer manso, que dor é
sinal de acidente e eu nasci pra ser
cientista, e um cientista hedônico, de
ver a humanidade sem reflexão e
chorar vertiginosamente, se esconder
embaixo da cama.
Eis! Há um enigma para cada cabeça
de Medusa que Perseu corta, há vá-
rios de espelhos refletem imagens:
Eis! os segredos dos enigmas revelados!
Será que um Deus merece julgamento?
Antes tarde que nunca? Adam-eterno
quer as profundidades vertiginosas
do ser, ou prefere a superfície
da posse? Será que eu nunca senti
tanto medo quanto
agora?
Medo, medo, necessitamos urgentes
deixar ao medo seu pequeno fardo,
seu descuido exagerado; agora! do it.
Tempo congelado, frio, congela e resseca,
ressaca e temporal: virá o sol,
o rei do degelo, conterá o ritmo
das águas em sua luz, trará!
* * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * *