1.º Comunicado
Mossoró foi trinado de riqueza.
É canário de chama no alçapão.
2.º Comunicado
Mossoró não aguenta meia hora
De fogo. Já está sem munição.
3.º Comunicado
Mossoró, sua fama de Princesa
Do Oeste, tá no chão, meu capitão.
Último comunicado
Vambora, gente, o dia não foi bom.
Foi besteira esse ataque a Mossoró.
Não se ataca cidade com igreja
De mais de uma torre, Massilon.
Passo
De mica, luz e vento
O sol fez meu cavalo.
De espinho de vereda
A terra me gerou.
Meu corpo, da moleira
Ao peito de gibão
Trançado a cartucheira;
O encarnado do lenço
Fechado com argolão,
As pernas de perneiras,
O chapéu estrelado
De sinos Salomão;
Das minhas apragatas
Ao loro de meu baio
Com suas sete marchas
E seu bridão de prata,
Foi meu Padrinho Cícero
Quem benzeu, quem fechou
Meu corpo e seu avesso
Quando me batizou.
Chouto
Arriba do barbicacho
O sol tiniu de raios
De escamas de piau
E de malacacheta
A luz de meu chapéu
De couro de vaqueta.
Seca, riscar da espora
De roseta do Cão
No vazio da terra,
Encheu o meu bornal
Com um farnel de fuga.
Crivou, cravou de botes
De cascavel e agulhas
Do espinho - gravatá,
Jarrête e mocotó,
Meu jeito de pisar.
Calo duro de andar,
Prego encravado
Na croa de meu pé, cacto de espinho
Mal fechou, necessidade velha
Do homem com seu frio,
Mal choveu,
Tomou meu cobertor, deu ao vizinho.
A injustiça do pasto para o gado
Fez o resto. Pegou o boi com fome,
Sua cria soltou no meu roçado.
Baixo
Minha escola rural
Foi o serrote. Meu professor
A onça.
Adispois, minha escola normal
Foi um mundéu
Para prear lagarto.
Na feira de propriá, pequetitinho,
Um ladrão de cavalo afanou
Minha primeira e derradeira festa:
Meu carneirinho mocho, de montar.
Como a desgraça, feito arribaçã
Não vem sozinha, mas avoa em bando,
Num fobó puxado a falta de arrespeito
Um cassaco fez mal à minha irmã.
Chapinhando no sangue, forra gêmea
Da que tingiu a saia de morim
Da mana, tirou-a da boneca e
Dos cuidados da casa e do roçado,
O fio fino da faca de ponta
Saiu do cós das calças. Seu recado
De rocega em arraia de menino,
Cortou o céu dos meus quatorze anos.
Caiu no chão os bagos do capado.
Galope - em
cima-da-mão
Ai saudade que vadeia,
Ai gemeção da viola.
Grade de tua cadeia
É feita de pau que bóia.
A porta de baraúna
Amarrada com virola.
Ai caminho de Buíque,
Rodagem de Piancó.
Trilha que leva a coiteiro,
Também passa em Mossoró,
Cidade de sete igrejas,
Cada qual com sete torres
Velhas como minha Vó
Um rio de quatro pontes
Feitas de libra esterlina
Com água salobra e doce
Para lavar meu cavalo
E vau de dar na cintura.
Nascendo dos sete olhos
D’água, cunhetes de bala
E garajaus de fartura.
Galope - alto
Ai volante do crime que galopa
Pela caatinga, rumo a Mossoró.
Essa carga de seca na garupa
Com seu tropel humano de malfeito
Que arranca do lajedo cavo som
Batizado Colchete, Jararaca,
Virgulino, Sabino, Massilon,
É rodilha de cobra misturada
Com preazinho vivo, palpitante.
Caídos, todos dois, na cova em brasa
Da terra com sua fome e seu quixó.
Galope - em
cima-da-mão
Mossoró de mororós,
Cidade de sete igrejas,
Cada qual com sete torres,
Um rio de quatro pontes.
Mossoró de mororós,
Trilhas de vinte quilates,
Rodagem de vinte mil contos.
Galope - alto
Nasci - cresci parido pelo mato.
Meu principal brinquedo foi assar
Sodoro, quebrar coco-catolé.
Vesti roupa feita de saco de farinha.
Nunca senti na prancha do meu pé
A comichão gostosa, a pisadura
Engraxada e maneira da botina.
Minha ponta da língua cresceu virgem
Do gosto chique do queijo de coalho,
Da paçoca de carne, do azedinho
Da umbuzada com leite de turina.
Meu embornal de guerra e de comida,
Munição fria, me arrepuna as tripas.
As cartucheiras, duas, encruzadas
Como ferro de gado, traves tronchas
De um cruzeiro coalhado de romeiros,
Rebrilham como velas de promessa.
Minha primeira arma de defesa
Foi um canivete Aço Corneta.
Em caiçara do Rio do Vento,
Numa encrenca de porteira da Fazenda
Cortei até a munheca dizer Chega!
Adispôs, num joguinho de bozó
Ganhei a lazarina.
Seu primeiro papoco,
Coice de cavalo
Cruzado com jumenta,
Me jogou em riba de um mororó de cerca.
Lasquei o mororó e o pau da venta.
O segundo papoco foi aposta.
Um tiro a doze braças da caveira
Duma rês, espetada numa estaca.
Errei. Acertei num vira-bosta.
Fui menino mofino. Falei tarde.
Não tive poço d’água, nem mergulho,
Nem o perfume, nem a boniteza
Do mufumbo florido na barranca,
Nem baronesa engrinaldando o rio.
Nem o pau-darco, nem a oiticica
Em seu chapéu de altura me assubiu.
Leite, nem de peito de mãe,
Nem de jumenta.
Só o perfume do pereiro branco
Me entrou, infância adentro, pela venta.
De meu tive dois paus pra minha rede.
Me fiz duro serrote entre lajedos.
Nem corgo nem cacimbas merejaram
Minha borracha d’água e minha sede.
Nem levei bolo, nem matei charada
Do a-e-i-o-u, na carta de ABC.
Meu desasnar foi trabalhar de enxada,
Pegar a cascavel, tirar o guiso,
Saltar pra riba
Evitando o bote,
Como o casal de carcará, nos ares,
Ajuda o homem na limpa do chão.
Maradonava
No jirau do quintal, ouvindo bufo
E bramido de onça, sentindo o bafo
Quente da sua fome fresca, no panasco
Ajantarando bofe de marrã.
Acordava com o miar de sua sede
Encarnada, como o capucho da manhã,
Pedindo pote e meio do meu sangue.
Safadeza do mundo conheci
Dês que cai da rede, engatinhei.
Deitei com mulher-dama, engaliquei
jumenta.
Sarei com benzedura e garrafada.
Ai rebordosa, voltas desse mundo.
“Criança”,
Mal dei baixa dos cueiros, entrei no bando,
Ganhei esse apelido.
Meu batismo de fogo, em Petrolina
Rendeu um polvaril, dois queijos do sertão
Um cornimboque com tampo amarelo,
Um cunhete de bala e um parabelo.
Carreira
Mossoró, cada janela,
A torre de São Vicente,
O muro do Cemitério,
Cada rua de trincheira,
O beiral de cada casa
É um pente - cartucheira
Vazio, recarregado
Com 100 balas de fuzil.
Tabuada que não sei,
Lição que tarde aprendi,
A bala que me derruba
Como coice de cavalo,
É aquele porco sangrando
Na Sexta de sacrifício,
Na veia, para chouriço,
Na carne para lingüiça.
É a passagem de um vau
Com duas bandas de rio.
Uma, ilha de carniça,
Alegria do urubu,
Cemitério de cavalos.
A outra,
De mulungu,
Bóia sete cangaceiros
Comidos de tapuru
No redemunho do rio.
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