Aqui está-se sossegado, 
 Longe do mundo e da vida, 
 Cheio de não ter passado, 
 Até o futuro se olvida. 
 Aqui está-se sossegado. 
Tinha os gestos inocentes, 
 Seus olhos riam no fundo. 
 Mas invisíveis serpentes 
 Faziam-a ser do mundo. 
 Tinha os gestos inocentes.
 Aqui tudo é paz e mar. 
 Que longe a vista se perde 
 Na solidão a tornar 
 Em sombra o azul que é verde! 
 Aqui tudo é paz e mar.
 Sim, poderia ter sido... 
 Mas vontade nem razão 
 O mundo têm conduzido 
 A prazer ou conclusão. 
 Sim, poderia ter sido... 
 Agora não esqueço e sonho. 
 Fecho os olhos, oiço o mar 
 E de ouvi-lo bem, suponho 
 Que veio azul a esverdear. 
 Agora não esqueço e sonho. 
 Não foi propósito, não. 
 Os seus gestos inocentes 
 Tocavam no coração 
 Como invisíveis serpentes. 
 Não foi propósito, não. 
 Durmo, desperto e sozinho. 
 Que tem sido a minha vida? 
 Velas de inútil moinho — 
 Um movimento sem lida... 
 Durmo, desperto e sozinho. 
 Nada explica nem consola. 
 Tudo está certo depois. 
 Mas a dor que nos desola, 
 A mágoa de um não ser dois 
 Nada explica nem consola.  
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