Fernando Pessoa
Poesias Inéditas
 
Relógio, morre
 
 
Quem vende a verdade, e a que esquina? 
Quem dá a hortelã com que temperá-la? 
Quem traz para casa a menina 
E arruma as jarras da sala? 

Quem interroga os baluartes 
E conhece o nome dos navios? 
Dividi o meu estudo inteiro em partes 
E os títulos dos capítulos são vazios... 

Meu pobre conhecimento ligeiro, 
Andas buscando o estandarte eloqüente 
Da filarmônica de um Barreiro 
Para que não há barco nem gente. 

Tapeçarias de parte nenhuma 
Quadros virados contra a parede ... 
Ninguém conhece, ninguém arruma 
Ninguém dá nem pede. 

Ó coração epitélico e macio, 
Colcha de crochê do anseio morto, 
Grande prolixidade do navio 
Que existe só para nunca chegar ao porto. 
 

 
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