Ana Mary Cavalcante
ALENCAR
Da Editoria do
Vida & Arte
O Povo, 01.01.1999
No dia 1° de
maio de 1829, há exatos 170 anos, nascia num sítio em Messejana o
escritor cearense José de Alencar.
Um retrato falado, na saleta da casa,
dá uma idéia física do moço barbudo: "olhos castanhos, encapelados,
indagadores e melancólicos. Corpo ossudo, franzino". Continua,
adentrando a personalidade do mesmo: "taciturno, misantropo,
irreverente, sensível, romântico, crítico implacável e
excessivamente apaixonado pela leitura e escrita". Taí a deixa para
se vislumbrar vida e obra do tal moço.
Ele nasceu meio pelo
avesso, filho de padre. Deputado pela província do Ceará, o
religioso José Martiniano de Alencar se engraçou com a prima Ana
Josefina. "Por fragilidade humana'', como o próprio declarou no
testamento. Teve oito filhos. O primogênito: José Martiniano de
Alencar Júnior, nascido em 1° de maio de 1829, há exatos 170 anos,
num sítio em Messejana.
Alencar, filho,
gastou a década inicial da infância por ali. Entreteu-se no primeiro
engenho a vapor do Ceará, implantado pelo pai no quintal. Ia e
vinha, o menino apelidado Cazuza, transitando pela casa maior, ao
lado da miúda. Obra também do velho Alencar, pai (e padre), que
abrigava a prima na casinhola.
A família se muda
para o Rio de Janeiro em 1834, quando o padre Alencar assume o
senado. Cazuza inicia os estudos e as leituras. É na Faculdade de
Direito, em São Paulo, que a vista míope mira Chateaubriand,
Alexandre Dumas e Victor Hugo. Some-se a estes, George Sand, Walter
Scott, Dickens, Shakespeare, Alexandre Herculano, Joaquim Manuel de
Macedo. Acrescente-se o movimento romântico e ainda assim não se dá
conta da obra escrita por José de Alencar.
Considerado um dos
maiores escritores do Romantismo brasileiro, ele apresenta uma
produção literária comumente dividida em romances urbanos,
indianistas, regionalistas e históricos. A estréia na literatura
deu-se via jornalismo. Em 1854, escreve crônicas no Correio
Mercantil. Aí, publica Cinco Minutos, em
folhetins (1856). A Viuvinha, em seguida, desencadeia
obras que desnudam o modo de vida na Corte. A burguesia negocia
casamentos e amor.
É na linha
indianista que Alencar escreve o nacionalismo. O Guarani
(1857) traz o índio herói e identidade de uma nação independente.
Buscava-se um representante da raça brasileira. Alencar encontrou
uma virgem indígena dos lábios de mel, esboçada numa linguagem
extremamente burilada. ``Nacionalidade e linguagem têm fundamentos
comuns em Alencar. Nosso ficcionista estiliza a língua literária,
fixando uma maneira brasileira de escrever narrativas'', esclarece
Leão de Alencar Júnior, professor de literatura da Universidade
Federal do Ceará.
Para Leão, "nos
escritos indianistas, o escritor recorre à interação lingüística
entre o português e as línguas nativas, para criar uma representação
altamente sofisticada". E nem sempre compreendida. Iracema
foi o romance mais atingido pelos críticos, que apontavam o caráter
irreal dos personagens, por exemplo. ``A escrita
nacionalista-indianista de Alencar pode sugerir uma nova perspectiva
de leitura: a resistência da `alma pátria' contra a colonização
universal'', pondera Leão. ``As polêmicas criadas em torno da obra
de Alencar indicam, certamente, o reconhecimento de sua força
literária'', completa.
Também político, o
escritor sabia usar a força da palavra. Crítico implacável, ainda no
jornalismo, não poupou sequer o imperador Pedro II. Por conta do
apoio financeiro imperial dado a Gonçalves de Magalhães e seu poema
A Confederação dos Tamoios, Alencar publicou cartas
sob pseudônimo, esgarçando a obra daquele tido como o iniciador do
Romantismo nacional. Réplicas e tréplicas foram impressas.
A querela com o
imperador durou toda a vida política de Alencar, iniciada em 1861
(quando foi eleito deputado geral pelo Ceará, reelegendo-se outras
três vezes). Chegou a ministro da justiça (1868) e só não foi
senador, no ano seguinte, porque teve o nome vetado por Pedro II.
Opondo-se à Lei do Ventre Livre, acabou mal visto pela população.
Não tinha a astúcia política e nem a flexibilidade do pai.
Entretanto, teve umas idéias um tanto quanto liberais para a fama de
conservador: propunha a extinção do poder Moderador e a criação do
voto universal (inclusive, para escravos). ``O que gradua a
democracia é a extensão do poder e sua duração: quanto maior a
delegação de soberania e por maior prazo, menor a democracia'',
dizia.
Casado com Georgiana
Cochrane, filha de um médico inglês, teve seis filhos. Para eles,
deixou a propriedade em Fortaleza. Para a literatura nacional, o
olhar encapelado e indagador.
A Casa
A Pró-Reitoria de
Extensão da Universidade Federal do Ceará (UFC), órgão responsável
pela manutenção da área onde está a Casa de José de Alencar,
elaborou um projeto de revitalização do local. O Projeto Alagadiço
Novo foi concebido em parceria com o Instituto do Patrimônio
Histórico e Artístico Nacional (Iphan), há dois anos. Desde então,
tramita no Fundo Nacional da Cultura (FNC) à espera da verba.
São necessárias
cerca de 115 600 ufirs (R$ 113 mil) para a prospecção e consolidação
das ruínas do antigo engenho (prioridade do plano). Serão feitas
escavações no local para descoberta de novos resquícios históricos,
sob orientação do Iphan.
Há previsão ainda de
revitalização do lago, com implantação de piscicultura e área de
lazer. A Farmácia Viva, cultura de plantas medicinais da UFC, deve
ganhar um espaço por lá. Também paisagístico, o projeto pretende
criar aréas de convivência, bosque, parque infantil e salas de aula
ao ar livre. Além de ampliar o restaurante e o estacionamento e
oferecer sinalização ao local.
Eva Caldas,
coordenadora de ação cultural da Pró-Reitoria de Extensão da UFC,
diz não haver previsão para se concretizar as ações. A última
informação que obteve sobre a verba do Ministério da Cultura foi em
setembro do ano passado. ``O dinheiro estava pra ser liberado'',
lembra. Com a verba cortada, o jeito é recorrer a outras fontes.
Ricardo Bezerra, arquiteto responsável pelo planejamento
paisagístico do Alagadiço Novo, informa que uma cópia do projeto
está na Secretaria de Turismo do Governo do Estado. ``Queremos somar
parcerias'', declara. Do montante calculado para a primeira parte
das obras, cerca de 23 mil ufirs (R$ 22,5 mil) vêm da UFC.
CRONOLOGIA
1° de maio de 1829: nasce José Martiniano de Alencar
Júnior, filho de José Martiniano de Alencar (deputado pela província
do Ceará e padre, na época) e Ana Josefina de Alencar (prima
legítima do deputado e padre), no Sítio Alagadisso Novo (localizado
na Frguizia di Mecejana, Ceará);
1830: Embarca com a família para o Rio de Janeiro,
onde o pai assumiria o cargo de senador. Retorna a Fortaleza em
1834, época em que José Martiniano (pai) fora eleito governador do
Ceará. Aos dez anos, muda-se, definitivamente, para o Rio (o pai é,
outra vez, senador; Alencar começa os estudos no Colégio de
Instrução Elementar);
1844: Vai a São Paulo, preparar-se para os exames na
Faculdade de Direito do Largo de São Francisco (inicia o curso em
1846). Forma-se advogado em 1850, exercendo a profissão, no Rio de
Janeiro, a partir do ano seguinte;
1854: Estréia como jornalista, assinando a seção ``Ao
correr da pena'' (crônicas), no Correio Mercantil.
Permanece até 1855, seguindo carreira jornalística e iniciando-se na
literária no Diário do Rio de Janeiro;
1856: Sai, em folhetins, o romance Cinco Minutos,
obra inaugural do escritor. Até a segunda metade da década de 1870,
José de Alencar fomenta uma obra que perpassa os universos
indianista, urbano, histórico e regionalista;
1857: Inicia a produção teatral com a peça Verso
e Reverso. Até
1861, consolida-se no teatro nacional;
1860: Morre o pai do escritor.
1861: É eleito deputado geral pelo Ceará (reelege-se
outras três vezes: 1869-72, 1872-75, 1876-77). Em 1868, chegou a
Ministro da Justiça. Só não conseguiu assumir o cargo de senador,
para o qual foi eleito em 1869, porque teve o nome vetado pelo
imperador Pedro II;
1864: Casa-se com Georgiana Augusta Cochrane de
Alencar, filha de um médico inglês. Com ela, teve seis filhos:
Augusto, Clarisse, Ceci, Elisa, Mário e Adélia.
12 de dezembro de 1877: Morre no Rio de Janeiro, aos
49 anos, sucumbido pela tuberculose (doença que o acompanhara por
cerca de 30 anos).
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