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José Augusto Lopes
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[colunista do Diário do Nordeste]
Biobliografia
Crítica e ensaio
  1. Ariano Suassuana em cena

  2. Os 80 anos dos filhos de Lobato

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José Augusto Lopes
Os 80 anos dos “filhos” de Lobato 
Através de seus livros, Monteiro Lobato conseguiu infiltrar o imaginário infantil na ideologia dos adultos que formam as elites brasileiras
 
 

    Mais jovem e atual do que nunca, a turma do Sítio do Picapau Amarelo completa 80 anos, perpetuando o maior milagre de consagração, instantânea e duradoura, de toda a literatura brasileira. Tudo começou quando o paulista de Taubaté José Bento Monteiro Lobato (1882-1948) publicou, em 1920, a estória “A Menina do Narizinho Arrebitado”, na “Revista do Brasil” que ele próprio editava.

     Conforme registra o livro “Os Filhos de Lobato -O Imaginário Infantil na Ideologia do Adulto”, de J. Roberto Whitaker Penteado, o Ibope realizou uma pesquisa definitiva e irrefutável sobre a importância e profunda influência de Monteiro Lobato em nosso contexto social e cultural: 2/3 dos brasileiros que formam nossa elite política e econômica possuem preciso conhecimento da obra do escritor; 87,6% souberam dele por meio da televisão; 70% das pessoas com educação superior já o leram e 55% se declararam influenciados pelo mais importante autor “infantil” brasileiro. E atentem para o que assegura Graham Greene: “Só na infância os livros exercem influência marcante na vida das pessoas”.

     Os modernistas só foram descobrir Lobato anos depois da Semana de Arte Moderna (1922). Excluído do movimento por sua incompatibilidade com algumas viciosas “igrejinhas” de então, Lobato é hoje reconhecido como o verdadeiro precursor dos modernistas, em face de seus livros publicados antes de 1922, notadamente suas obras especificamente para adultos: “Urupês” (1918), “Cidades Mortas” (1919) e “Negrinha” (1920).

     Essa marca inovadora encontra-se também, de maneira contundente, em seus livros da série do Picapau Amarelo, segundo observa Alaor Barbosa: “Toda a literatura infantil de Lobato é modernista, uma linguagem brasileira bastante emancipada do português de Portugal, nutrida de construções e formas orais e coloquiais do linguajar do povo brasileiro”.

     Entre seus personagens, destacam-se a sábia avó dona Benta, os primos Pedrinho e Narizinho, a cozinheira Tia Nastácia, o Visconde de Sabugosa (um prodigioso e intelectualizado sabugo de milho que “vira” gente), o rinoceronte Quindim. Mas, com certeza, o personagem de maior empatia com o público é Emília, a boneca falante. Segundo alguns estudiosos, ela seria o “alter ego” do autor.

     Emília provoca a imaginação, suscita analogias. Tem modos desabusados, “inconvenientes” e francos. Parte dela o questionamento: “por que alguns homens são tão ricos e outros são tão pobres?”. Ou então: “Nós precisamos endireitar o mundo. Nós, crianças, que temos imaginação. Dos 'adultos' nada há a esperar...”.

     Sobre a atualidade da obra de Monteiro Lobato, o insuspeito aval é de Muniz Sodré: “Ao contrário das perversões pedagógicas correntes, o empenho lobatiano guiava-se pela invenção e pela curiosidade. O leitor mirim era estimulado a não ter medo de fazer perguntas, a buscar a aventura, a romper os limites colocados pelo universo adulto, entre fantasia e realidade. Nestes instantes de exacerbação da ideologia globalista, é oportuno mostrar que a tradição cultural brasileira é capaz de oferecer frutos ricos para a retomada e a ampliação do que o país ainda tem de melhor”.

     Nelly Novaes Coelho afirma que um dos grandes “achados” de Lobato foi a anulação de fronteiras entre o “real” e o “maravilhoso”. Rompendo com a intangibilidade de mitos clássicos como Branca de Neve, Cinderela e Peter Pan, a maioria das situações vividas por seus personagens ocorre no mundo cotidiano e, mesmo quando passa para o plano fantástico - do sistema solar (“Viagem ao Céu”), ou da Grécia Antiga (“O Minotauro”, “Os Doze Trabalhos de Hércules”) - o pó de pirlimpimpim ou o superpó oferecem “a concretitude de um veículo, ainda que abstrato, para as transposições. Esse ingrediente textual/contextual torna-se, assim, um poderoso estímulo à criatividade, por demonstrar que qualquer ser humano pode atingir dimensões maravilhosas, através de sua imaginação criadora”.

     Monteiro Lobato foi, também, um dos primeiros redatores de publicidade no Brasil, criando, para Cândido Fontoura, uma peça ainda hoje considerada uma obra-prima pelos publicitários nacionais: a história do Jeca Tatuzinho divulgando o Biotônico Fontoura, em peça de propaganda que, também, inclui o escritor entre os precursores das histórias em quadrinhos

     Como incansável contestador da hipocrisia dos valores vigentes, Monteiro Lobato sempre era implacavelmente perseguido pelos censores. Suas obras foram queimadas em Taubaté (a própria cidade onde nasceu), Rio de Janeiro, Belo Horizonte - e expurgadas das escolas e bibliotecas de todo o País. As associações católicas e ligas femininas o exorcizaram como “deléterio”. Por causa de uma dura carta escrita a Getúlio Vargas, esteve preso durante 90 dias.

     Mais recentemente, quando estava em curso a ditadura militar, o pó-de-pirlimpimpim foi “sugado” da série de televisão da Rede Globo sobre o Sítio do Picapau Amarelo. Motivo alegado pelos censores: ele seria uma apologia ao uso da cocaína.

     A censura conseguia detectar horrores nas menções de Lobato à queima do café em São Paulo e à mágoa do Pai da Aviação, Santos Dumont, por ver seu invento utilizado como arma de guerra. E não perdia chance de criticar violentamente o “uso excessivo de gíria, neologismos e pejorativos” no estilo do autor.

     Em Portugal e colônias, o escritor foi censurado por mencionar que Vasco da Gama teria cortado 1.600 orelhas de árabes.

     Sobre os que acusam Monteiro Lobato de racista, pela abordagem de uma pretensa “negritude servil” da cozinheira Tia Nastácia, Novaes Coelho adverte que a literatura reflete os valores e desvalores de um sistema social, contemporâneo de Lobato, e ele apenas refletiu, com bastante fidelidade, a sociedade e os tempos em que viveu.
 

Diário do Nordeste, 29.07.2000

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