Jamesson Buarque
História de
amor
E entramos no bosque sem facão nem roupa adequada, e
Pernas sobre os galhos baixos, rumo ao lugar sagrado, não deixamos
Rastro nem fizemos barulho de suspeita,
O coração na goela, os dedos frêmitos e um calor nos olhos
Encantados de febre, e o vento leve nos acariciava os pêlos
Nos levando cada vez mais para dentro, cada vez mais dentro,
Aonde somente vão as maiores serpentes.
Sentamos para respirar um pouco, e o vento ainda leve,
E de vapor nos pés novamente, singramos mais e mais.
Lá deixei a seguinte herança: “Junta agora meus pedaços
E os leva consigo e os grava de proa a popa de tua memória
E um dia os mostra para quem seja de teu grado, e diz”:
“Olha bem e saiba o que acontece com quem se mete comigo”.
Em torno dela senhora
Os rastros
De onde acontece a luz das estrelas
Se recolhem
Como quem se entrega à plena beleza.
O próprio amor está vivo e guardado
Dentro do significado e do nome dela.
Ela é de pássara e pétala:
Um sortilégio único de Deus.
Pelas janelas de minha casa sopra um vento carregado de ausência,
Solitário que estou, fico reservado para nada,
Meu travesseiro não aceita o sonho que ofereço
E galgo para a livroteca e ela me fecha as capas na cara —
Não me deixa vigiar a quem meus olhos perseguiam.
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Ah, como é rude este vento:
Me fez o cabelo, me fez a barba,
Levou meu nome e levou meu sorriso —
O que reservo agora em meus dedos?
Vamos! Vamos! Vamos, venha e me lacere!
E se acaso eu gritar, me ignore, não tenho medo:
Meu grito é senão um irracional desespero.
As flores e as pedras podem falecer agora:
Porque decidi me abrasar no silêncio,
Dormirei longa noite que desconhecerá alvorada.
Antes, me beije e me beije e me beije e me beije
E se for possível me beije mais e me beije mais;
Quando eu estiver quase me sufocando em seus lábios,
Me deixe respirar mais alguns segundos, alguns apenas,
E não se deixe enganar pelos meus olhos esbugalhados:
De tanto gozo eles podem fingir que pedem socorro.
Depois voltamos separados para o edifício,
Eu precisei de um copo d’água,
E ela vinha mole e pálida e fraca
Como uma uva que se afoga feliz numa taça.
Havia mil ninfas naquele corpo,
Mas não reconheci nenhuma.
Se eu pudesse contar esta história de novo,
Eu começaria dizendo não quero,
Mesmo que não me suportasse de arrependimento.
Primeiro, teria levado um facão e roupa de couro,
Quiçá um gibão, acredito que também uma espingarda;
Faria o caminho contrário das serpentes;
Jamais pecaria nem aceitaria fruta de macaco
E quando a tarde e o mato e o toco de árvore e as árvores
Nos olhassem, não haveria nós, porque eu seria sozinho
E dentro de um travesseiro movido a sonho.
Mas não posso contar de novo esta história,
Porque a culpa em meu corpo
Feriu meu endereço,
Por isso estou mourejando,
Se já não é um cadáver isto que sou.
Ela disse toda assenhoreada:
“Você e tantos outros são os mesmos,
Não me desafia, não é novidadeiro”.
E eu: “Sei que não valho mais do que mereço”.
Rasguei-lhe as cascas e a cavalguei aos gritos,
Mas não desempunhei de sua crina
E em suas ancas varei o vento.
Depois voltei e disse: “Não estou satisfeito”.
E ela: “Repito: você e tantos outros são os mesmos”.
Senti-me tão pequeno, que me dissolvi.
Ao vê-la pássara leve movendo o vento,
O enchendo de luz sem o olvidar em meu terreno,
E quase diáfana e certamente maravilhosa,
Ah, que inveja me deu de mim por tê-la tocado um dia!
Agora acabou a aventura; os próximos passos:
Saudade, lembrança, reminiscência e esquecimento.
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