Jacinto Freire de Andrade


A um Mosquito

Invencível mosquito, Émulo do mais livre pensamento, Sem corpo, e de todo espírito, Que deste fim a um tão alto intento, Quando precipitado O céu de Délia acometeste ousado. As portas de diamante Cerradas ao clamor de tanta gente Abriste triunfante, Zombando da esperança impertinente, Que entre temor, e espanto Nunca acabou comigo esperar tanto. Cupido, que inquieta Délia sentiu ferida, Espera, que o sinta, A lança, que tiraste em sangue tinta, Que o peito endurecido É prova das setas de Cupido. Porém de nada disto Te mostres tão soberbo, e presumido, Que podes sem ser visto Passar a mais ferir, sem ser sentido, E para castigar-te, Não ocupas lugar nalguma parte. Foras de amor ferido, Se tivera o teu erro algum desconto, Ou se achara Cupido Aonde a ponta da seta pôr o ponto. Condolação bastante; Pois não picaste a Délia como amante. Buscaste a noite escura Por cometer a Délia mais oculto; Quem medo te afigura, Se não faz o teu corpo nenhum vulto, Pobre de ti tão pobre, Que a mesma luz do Sol te descobre. Hidrópico mosquito, Por beber sangue assim não te condeno, Nem cometes delito, Que com os olhos da alma tão pequeno, Quando apenas te vejo, Que desejas lugar para o desejo. Tanto o saber Divino Trabalhou no teu ser, tâo novo, e estranho, Que Ambrósio Calepino Não tem nome, que imprima o teu tamanho, Porque o diminutivo É mais em ti, que o teu superlativo. Por tradição antiga Deves graças a Deus humilde, e mudo; Pois não falta quem diga, Que de nada te fez, o que fez tudo: Sendo que bem pudera Fazer de ti nada, se quisera. Causas ao Mundo todo Admiração tão grande, que se espanta De ver por novo modo Em corpo tão pequeno traça tanta; Porque o entendimento Fábrica vê em ti sem fundamento. Oh de suprema ideia, Subtil debuxo, amostra primorosa! Porque em ti mais campeia, Que na máquina altiva, e majestosa: Que em fazer-te tão pobre Sua grandeza muito mais descobre. Somente, se se adverte, Dos vidraceiros és bem grande afronta; Pois não têm para ver-te Óculos nenhuns, que cheguem à conta; Pois para ver mosquitos É necessário ter graus infinitos. E vós, que antes do dia Das culpas castigais levando a palma, Por nova tirania, Que fizeste do corpo inferno da alma Se fizeste do corpo inferno da alma: Se por esta vitória Tendes glória, ou vanglória. Entre tantos rigores não durmais, Pois se as almas sem culpas castigais, Para desinquietar Vosso rigor severo, e infinito Basta só o sonida de um mosquito.


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