José Gomes Ferreira


Homens do futuro

Homens do futuro: ouvi, ouvi este poeta ignorado que cá de longe fechado numa gaveta no suor do século vinte rodeado de chamas e de trovões, vai atirar para o mundo versos duros e sonâmbulos como eu. Versos afiados como dentes duma serra em mãos de injúria. Versos agrestes como azorragues de nojo. Versos rudes como machados de decepar. Versos de lâmina contra a Paisagem do mundo — essa prostituta que parece andar às ordens dos ricos para adormecer os poetas. Fora, fora do planeta, tu, mulher lânguida de braços verdes e cantos de pássaros no coração! Fora, fora as árvores inúteis — ninfas paradas para o cio dos faunos escondidos no vento... Fora, fora o céu com nuvens onde não há chuva mas cores para quadros de exposição! Fora, fora os poentes com sangue sem cadáveres a iludiremos de campos de batalha suspensos! Fora, fora as rosas vermelhas, flâmulas de revolta para enterros na primavera dos revolucionários mortos na cama! Fora, fora as fontes com água envenenada da solidão para adormecer o desespero dos homens! Fora, fora as heras nos muros a vestirem de luz verde as sombras dos nossos mortos sempre de pé! Fora, fora os rios a esquecerem-nos as lágrimas dos pobres! Fora, fora as papoilas, tão contentes de parecerem o rosto de sangue heróico dum fantasma ferido! Fora, fora tudo o que amoleça de afrodites a teima das nossas garras curvas de futuro! Fora! Fora! Fora! Fora! Deixem-nos o planeta descarnado e áspero para vermos bem os esqueletos de tudo, até das nuvens. Deixem-nos um planeta sem vales rumorosos de ecos úmidos nem mulheres de flores nas planícies estendidas. Uma planeta feito de lágrimas e montes de sucata com morcegos a trazerem nas asas a penumbra das tocas. E estrelas que rompem do ferro fundente dos fornos! E cavalos negros nas nuvens de fumo das fábricas! E flores de punhos cerrados das multidões em alma! E barracões, e vielas, e vícios, e escravos a suarem um simulacro de vida entre bolor, fome, mãos de súplica e cadáveres, montes de cadáveres, milhões de cadáveres, silêncios de cadáveres e pedras! Deixem-nos um planeta sem árvores de estrelas a nós os poetas que estrangulamos os pássaros para ouvirmos mais alto o silêncio dos homens — terríveis, à espera, na sombra do chão sujo da nossa morte.


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