José Gomes Ferreira


Choro

Choro! Ninguém vê as minhas lágrimas, mas choro as crianças violadas nos muros da noite úmidos de carne lívida onde as rosas se desgrenham para os cabelos dos charcos. Ninguém vê as minhas lágrimas, mas choro diante desta mulher que ri com um sol de soluços na boca — no exílio dos Rumos Decepados. Ninguém vê as minhas lágrimas, mas choro este seqüestro de ir buscar cadáveres ao peso dos poços — onde já nem sequer há lodo para as estrelas descerem arrependidas de céu. Ninguém vê as minhas lágrimas, mas choro a coragem do último sorriso para o rosto bem-amado naquela Noite dos Muros a erguerem-se nos olhos com as mãos ainda à procura do eterno na carne de despir, suada de ilusão. Ninguém vê as minhas lágrimas, mas choro todas as humilhações das mulheres de joelhos nos tapetes da súplica todos os vagabundos caídos ao luar onde o sol para atirar camélias todas as prostitutas esbofeteadas pelos esqueleto de repente dos espelhos todas as horas-da-morte nos casebres em que as aranhas tecem vestidos para o sopro do silêncio todas as crianças com cães batidos no crispar das bocas sujas de miséria... Ninguém vê as minhas lágrimas, mas choro... Mas não por mim, ouviram? Eu não preciso de lágrimas! Eu não quero lágrimas! Levanto-me e proíbo as estrelas de fingir que choram por mim! Deixem-me para aqui, seco, senhor de insônias e de cardos, neste ódio enternecido de chorar em segredo pelos outros à espera daquele Dia em que o meu coração estoire de amor a Terra com as lágrimas públicas de pedra incendiada a correrem-me nas faces — num arrepio de Primavera e de Catástrofe!


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