Judith Grossman

O Conto Segundo Aramis
 
 
            Pois então sentei-me e li o livro de contos de Aramis Ribeiro Costa, A Assinatura Perdida (Iluminuras, São Paulo, 1996). Quem foi aquele que disse que não mais seria possível sentar-se e ler? 

            Lendo os doze contos de Aramis, além de neles viajar, na idéia objetivada que ele faz do gênero, na sua sensibilidade de escritor, que no seu caso se abastece de todas as suas vivências, inclusive da de escritor, e ser escritor é ter por profissão viver com a intensidade máxima, a de contemplar, por exemplo, viajei também na contística do século XX e verifiquei, mais uma vez, que o conto é imortal, a própria história imortal.

            Imortal e plural. E cada um faz do conto o que quer, inventa o conto, porque antes nenhum galo canta, sequer um. O s contos de Aramis são para o leitor que deles gosta de boa arquitetura, justamente para que com a rapidez que o conto exige se aprofunde verticalmente a situação enfocada, extraindo dela toda a sua riqueza, a sua precisa nuança. Isto sem soterrar a sensibilidade, e este seria o perigo maior que ronda implacável todos os engenheiros sem exceção, pois estes são contos de engenheiro, de engenheiro do conto, ao qual se acresce um olhar observador ao qual nada escapa, e que resguarda a possível inconveniência deste voyeurismo para a sua arte, onde exatamente se deve abrigar. 

            Seus temas, e isto é o melhor, são os temas de sempre, nos quais ele agora põe o seu dedo, sem amarfanhá-los. O seu epicentro é quase sempre um fino bouquet de morreres e nasceres, às vezes simultâneos, em outros casos, separados.

            Sobre o mundo real, visto que no livro, em seu conjunto, a morte não é o óbito, é "Miolo de pão". E há outros morreres. O de "Visita à casa paterna", em que o possível equívoco de uma revisitação concreta a um lugar amado encerra, pela desilusão, um passado até então idealizado. Outro morrer é o início da perda gradual e anunciada da memória em " A assinatura perdida".

            Em outra vertente, os nasceres, o próprio momento da ressurreição, do inesperado, o que muito improvavelmente aconteceria, e agora, de repente... E nela temos o invulgar "Kety", em que, gradativamente, dentro de um relacionamento, se configura, entre um cliente e sua dama, já agora, simplesmente, um homem, uma mulher, uma mutação, e ele, como qualquer namorado, faz exatamente o que ela quer. O inesperado, o puro de repente. "Kety" vale o livro.

            Mas "Itapagipe" também vale, as agruras de um jovem, com pinceladas à Hemingway, apenas na Bahia, alguma coisa da Lispector, mas misturada com Marquês Rabêlo, e já puro Aramis. Traindo "Kety", é absolutamente a minha escolha número um do livro.

            Pois vamos sentar de novo e reler. A releitura é que é a mágica. Aqui há um pouco de tudo, um pouco de Machado em "O morto Rogaciano", um pouco de Mansfield, em "Assassino". Um pouco se herda de todos, pois de todos se herda, até mesmo o jeito de levar o alimento à boca, mas do nosso próprio jeito. Saudemos o plural, e que o leitor, para que existam leitores, escolha o seu texto de acordo com as suas demandas. Impingir não forma leitores, mas clientes. E como descobre o já então namorado de Kety, se podemos ter tudo, ser cliente não basta.

 

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 Página editada  por  Alisson de Castro,  Jornal de Poesia,  06  de  Agosto  de  1998