Judith Grossman

Testamento
 
 
Numa fria tarde de julho pareceu-me
que o vento da praça era maligno.
Nunca apareceria o ônibus.
Veio ele enfim, sentei-me,
como alguém em sítio seu, seu natural comboio.
Estava em local meu, em plena rua.
Chegando em casa, ocupavas meu lugar preferido,
conturbação de cinzeiros enchia a sala,
profusão de trancados mostravam-se abertos,
por indevida intromissão em meus domínios.

Liquidaste as pessoas mais queridas,
fizeste-me boiar num mar de mortos,
quiseste arrancar última das máscaras.
Por fim, com jeitoso safanão interno,
consegui empurrar-te fora sem grandes apuros.
Ri-me haver-te permitido acesso tanto tempo.
No que a mim tange e diz respeito
nas portas escancaradas há ferrolhos.

                               

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 Página atualizada  por  Alisson de Castro,  Jornal de Poesia,  13  de Maio  de 1998