Judas Isgorogota


Mercador de Escravas

Sonhei que eu era um mercador de escravas Com tenda armada em Bombaim E mil peças à vista: — umas eslavas, Outras, filhas do Nilo e de Pekim; Umas ebúrneas, de madeixas flavas, Outras, de ébano vivo de Benin... E eram de ver-se os cem tapetes raros Vindos da Pérsia, e as peles de Astrakan, Por sobre os quais os marajás preclaros Vinham sentar-se no incontido afã De, na nudez daqueles corpos claros, Seus olhos embebedar de glória vã... Vinham depois os néscios traficantes, Uns do Mediterrâneo, outros do Sul, A conduzir, de regiões distantes, Tudo o que havia sob o céu azul: Ricas peças de Espanha, delirantes, E rapinas de Argel e de Estambul... Enquanto, em meio àquele oceano ardente, — Seios trementes, colos de cetim, Ancas de róseos tons, inteiramente, Cinzeladas espáduas de marfim, O ouro, quando em mancheia reluzente, Era mais do que tudo para mim... Mas, um dia te vi: — eras morena, Trêmula a voz, angustioso o olhar, E no róseo da boca, mui pequena, Feito de dentes lindos, um colar... E os dois seios tão puros, que era pena Que lábio humano fosse ali pousar... E ao fim, voltando a mim, naquele sonho, Eu, mercador, vi que era tarde já... E tu te foste, como um sol risonho, Para o estranho país de um marajá... E desde então, onde os meus olhos ponho, Luz que os faça felizes já não há... E foi assim que, alucinado, um dia Passei a ser escravo da ilusão E a minha tenda e o mais que possuía Abandonei, ao léu, lá no Industão... É que ao vender-te, mercador, havia Mercadejado o próprio coração!


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