Judas Isgorogota


As Luvas de N. Senhora

Éramos três, os retirantes do sertão inóspito: Eu, meu pai, minha mãe, alguns sonhos, e só. Eles, moços; eu tinha alguns meses apenas. E nós fomos morar no alto do Jacutinga, Bairro de gente humilde de Maceió. A vontade materna estava assim cumprida. — "Filho meu não se cria no sertão! Não terei filho para vê-lo às garras Do cangaço e do crime, Da ignorância, da miséria, do ódio, Que precise matar para ganhar o pão." Fomos viver os três num casebre de taipa. A pobreza era tanta Que meu pai disse assim: "Não sei se vale a pena... Não foi para isto que você nasceu..." Respondeu minha mãe, com sertanejo entono: — "Se pretende voltar para o sertão, que volte; Morreremos aqui, o nosso filho e eu!" Sorte de retirante é assim: dias passados, A maleita bateu impiedosa nos três... Todos tremendo como varas verdes, Assim ficamos quase um mês... E cadê água para as bocas ressequidas Pela febre? E onde o alimento, a ajuda De alguém para fechar ao menos nossos olhos Pela última vez? Foi nesse instante cruel de nossa vida Que nos surgiu Mãe Inês... Uma manhã cheia de sol, duas mãos negras e humildes, Ansiosas e aflitas, Achegaram-se a mim. — "Pobre inocente... Quase a morrer de fome..." E no quarto se ouviu o seu fundo suspiro, Angustiado e longo... E me deu a beber daquele leite Que era todo humildade e era humana ternura E que tinha o calor de uma noite do Congo... Ao pensar em Mãe Inês, tenho uma idéia estranha: — Quando visita um pobre lar, Nossa Senhora, femininamente, Calça umas luvas de veludo negro Para nos amparar...


* * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * *